Renan Leal, diretor-executivo de estratégia e qualidade da Telefônica: "A linha fixa me soa como algo do passado"
O telefone fixo está fora de moda. Uma afirmação como essa poderia perfeitamente ter partido de um adolescente que passa as tardes navegando na internet e trocando mensagens pelo celular. Mas quando feita por um graduado executivo da área, a frase revela de forma ainda mais contundente a profundidade das transformações que estão ocorrendo no mercado de telecomunicações.
"A linha fixa me soa como algo do passado. O telefone fixo tornou-se démodé", afirma Renan Leal, diretor-executivo de estratégia e qualidade da Telefônica, a concessionária de telefonia fixa do Estado de São Paulo.
O telefone ligado por meio de um par de fios de cobre ainda representa a maior parte da receita das operadoras tradicionais, mas vão longe os dias em que ele era o item central - e, em alguns casos, único - na estratégia das empresas. Agora, quem dá o tom são as conexões de banda larga, a partir das quais as teles podem oferecer diversos serviços, inclusive de voz.
"Estamos passando do monosserviço para o mundo da conectividade multimídia", afirma o executivo da Telefônica. Isso tem levado a um fenômeno inusitado no mercado brasileiro: o número de linhas fixas no país só cresce porque pega carona nas vendas de banda larga. Os clientes procuram as operadoras para assinar uma conexão de internet e as teles colocam no pacote a linha de telefone. É o inverso do que costumava acontecer até recentemente.
Na Telefônica, a maior parte das linhas fixas vendidas atualmente é feita a reboque dos novos acessos de banda larga. Na Oi, essa também é a realidade no que diz respeito às vendas feitas para consumidores de maior poder aquisitivo. "A banda larga é o carro-chefe do crescimento", afirma o diretor de mercado da Oi, João Silveira.
De acordo com o executivo, a operadora tem adotado estratégias segmentadas conforme o perfil socioeconômico de seus assinantes. Para os consumidores mais abastados, a estratégia da Oi é "empacotar" o telefone fixo com uma série de outros serviços (celular, TV por assinatura e banda larga) reunidos numa conta só. Para a camada intermediária, o maior apelo comercial está nos planos de banda larga, mas a operadora costuma apresentar ofertas que preveem o uso ilimitado da linha fixa.
Somente entre os consumidores de menor renda o telefone residencial ainda preserva importância maior. "A assinatura ainda é um atestado de crédito na hora de pedir empréstimo a uma financeira", afirma Silveira. Mesmo assim, para estimular as vendas, a Oi oferece, junto com a linha fixa, um chip de celular pré-pago com bônus de R$ 100 para falar na rede da operadora.
Também é esse movimento - primeiro a demanda por internet, depois pelo serviço de voz - que explica o crescimento da base de assinantes de telefonia fixa de empresas como Net e GVT, que concorrem com as operadoras tradicionais. Donas de redes mais modernas, essas companhias conseguem oferecer velocidades maiores de banda larga, associadas a outros serviços, como voz e TV por assinatura, a preços geralmente inferiores aos cobrados pelas concessionárias.
"Temos como vantagem competitiva a capacidade de prestar vários serviços numa só rede", observa o vice-presidente de marketing e vendas da Net, Eduardo Aspesi. A base de assinantes do serviço de telefonia vendido pela operadora cresceu 105% em 12 meses, chegando a 2,3 milhões no fim de junho.
Como no caso da Net, a maior parte dos clientes da GVT procura pacotes de serviços. Segundo o vice-presidente de marketing e vendas, Alcides Troller Pinto, 20% do volume comercializado pela operadora é exclusivamente de telefonia fixa.
Depois do forte crescimento apresentado nos anos subsequentes à privatização, o número de linhas fixas em serviço no país encolheu em 2007, principalmente por causa da substituição pelos telefones celulares. Depois disso, voltou a se expandir com o sucesso das empresas autorizadas - casos da Net e da GVT. Hoje há 41,6 milhões de telefones fixos em serviço e o mercado só cresce por causa do desempenho dessas companhias.
As concessionárias continuam vendendo assinaturas, mas o ritmo é insuficiente para compensar a perda de assinantes antigos. A Telefônica fechou o primeiro semestre com 11,5 milhões de linhas fixas em serviço, o que representa queda de 3,5% em relação a junho do ano passado. A base da Oi encolheu 1,1% no mesmo período e ficou em 21,7 milhões.
Nas projeções da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o número de linhas fixas em serviço no Brasil terá aumento médio de 1,5 milhão ao ano nos próximos seis anos. O montante é pouco mais que a metade do que o mercado de celulares cresceu em julho deste ano, quando foram acrescidos 2,3 milhões de novas linhas à base.
A telefonia fixa ainda representa boa parte da receita das operadoras, mas deverá crescer pouco daqui para a frente. O faturamento proveniente desse serviço terá crescimento anual composto de 0,7% nos próximos quatro anos, de acordo com a consultoria Yankee Group. Na banda larga, em contrapartida, a taxa estimada é de 33,5%.
O analista Júlio Püschel destaca, entretanto, que as operadoras precisam desenvolver outras formas de rentabilizar suas redes de internet. "Hoje, a oferta de pacotes é importante para atrair os clientes mais valiosos, mas é preciso ir além do modelo de assinatura para poder gerar receita", diz. Para ele, as operadoras precisam investir em TV e conteúdo para fazer dinheiro com a banda larga.
"A tendência agora é o mundo multimídia", afirma Leal, da Telefônica. A operadora está começando a investir na construção de uma rede de fibra óptica - que em algum momento deverá substituir a infraestrutura atual - para conseguir prestar serviços como a transmissão de vídeos e voz por meio da banda larga. A companhia também pretende se tornar uma provedora e integradora de serviços na residência, com a oferta de acessos de internet de altíssima velocidade para integrar computadores, eletrodomésticos, sistemas de segurança e outros produtos.
Isso significa que o telefone fixo vai desaparecer? Não necessariamente, afirmam consultores e executivos de diversas operadoras. "Não acredito que o telefone da residência vai desaparecer", afirma Silveira, da Oi. Na avaliação de Troller Pinto, da GVT, o telefone fixo tem sua sobrevivência garantida por ser mais barato e ainda oferecer melhor qualidade que o celular.
O que está com os dias contatos é a infraestrutura na qual o serviço se baseou desde os tempos de Alexander Graham Bell, considerado o inventor do telefone. "Vamos ver uma migração das redes de comutação para as redes de transmissão de pacotes de dados, onde a voz é só mais um serviço oferecido", afirma José Otero, presidente da Signals Consulting.
Talita Moreira e Gustavo Brigatto - Valor Econômico
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