Ele nem chegou e já assusta os concorrentes

Jean-Bernard Lévy, CEO da Vivendi, pagou R$ 7 bilhões para comprar a GVT e entrar no mercado brasileiro de telefonia. À DINHEIRO, ele revelou seus planos e prometeu tirar o sono das outras operadoras




Por Leonardo Attuch e Gustavo Gantois



Nos últimos três meses, dois dos maiores grupos empresariais do mundo estiveram em guerra. De um lado, a armada espanhola, da Telefônica, que comandava suas tropas a partir de Madri - de lá, o chefe global César Alierta orientava o presidente da subsidiária brasileira, Antônio Carlos Valente, a barrar qualquer avanço do exército inimigo. De outro, a francesa Vivendi, sediada em Paris, onde o CEO Jean-Bernard Lévy seguia os preceitos de Sun Tzu, autor do clássico A Arte da Guerra. Principalmente o que ensina que as virtudes cardeais de um bom general são "o segredo, a dissimulação e a surpresa". Foram essas as armas que ele colocou em ação para fechar uma das aquisições mais caras já realizadas no setor de telecomunicações no mundo - numa operação de R$ 7 bilhões, a Vivendi terá 100% das ações da brasileira GVT. "Ganhamos porque a disputa não girava só em torno do preço", disse Lévy, com exclusividade, à DINHEIRO.

Nesse embate, a vitória da Vivendi contrariou expectativas. Os principais executivos da Telefônica, que haviam dormido com a certeza de ter comprado a GVT, souberam da reviravolta pela internet. E embora a operadora brasileira esteja listada no Novo Mercado da Bovespa, Lévy conseguiu amarrar a compra do controle fora de uma oferta pública, realizando transações privadas - e secretas - com os maiores acionistas da compa- nhia. O principal deles, o israelense Saul Shani, que controla a GVT e vive fora do Brasil. Shani foi capaz de valorizar tremendamente seu ativo porque soube se colocar no meio de uma guerra entre dois projetos contraditórios, mas estratégicos. À Telefônica, interessava impedir a chegada de um concorrente.




A Vivendi, por sua vez, vislumbrou na GVT a oportunidade de adquirir uma fatia do bolo das telecomunicações no País. O CEO Levy avalia que a expansão da classe média e o perfil demográfico brasileiro fazem do mercado nacional um dos mais promissores do mundo. É essa a base sobre a qual ele desenhou seu plano de ação para o Brasil. Um plano que inclui serviços de telefonia, banda larga e tevê por assinatura - em pacotes mais econômicos do que os da concorrência. Confiante, ele pagou até mais do que os controladores da Oi haviam desembolsado para adquirir a Brasil Telecom - em março de 2008, a BrT foi vendida por R$ 5,4 bilhões. "A Vivendi pagou um prêmio para assegurar seu crescimento, que terá de vir de países emergentes como o Brasil", avalia Nicolas Cote-Colisson, analista do banco HSBC, focado no setor de telecomunicações.



Por trás desse meganegócio, há também um ex-soldado do exército israelense, chamado Amos Genish, que chegou há dez anos ao Brasil falando poucas palavras do português. Para adquirir a concessão que deu origem à GVT, ele desembolsou apenas R$ 100 mil. Com a licença, ganhou direito de ser a empresa espelho da Brasil Telecom, numa área que vai do Rio Grande do Sul ao Amazonas, englobando as regiões Sul, Norte e Centro-Oeste. Neste ano, a GVT já deve faturar mais de R$ 1,5 bilhão e, depois da venda, Genish será o mais novo bilionário da economia brasileira (leia mais sobre ele à página 60). A transação também tende a mudar de formal radical o panorama das telecomunicações no Brasil. "Teremos mais qualidade, um melhor atendimento, preços menores e mais competição", festejou o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, Ronaldo Sardenberg.






"Tenho preocupação com gente nova chegando por aqui, detonando preço e depois indo embora" Luiz falco, presidente da oi





"Quando se faz exigências, tem que ser democraticamente para todos, e não para só um dos compradores" Hélio Costa, que defendeu contrapartidas da Vivendi






"Se as empresas de telefonia e o governo não gostaram, é porque isso deve ser bom para o consumidor" Virgílio Freire, consultor em telecomunicações





Condições para mudar o jogo da competição no Brasil é algo que a Vivendi tem de sobra. Hoje, o mercado nacional é dividido em quatro grandes blocos - o ibérico, da Telefônica e da Vivo; o italiano, da TIM; o mexicano, com Claro e Embratel; e mais o nacional, com a supertele. A Vivendi, que fechará este ano com, uma receita global de E 27 bilhões, equivalente a US$ 38 bilhões, tem fôlego para enfrentar todas essas empresas (leia gráfico abaixo). E um dos principais alvos de Lévy é o mercado de banda larga no Brasil. Na França, o principal pacote da Vivendi inclui 20 megas de internet, ligações telefônicas ilimitadas e mais 140 canais de tevê a cabo. Custa cerca de R$ 77, praticamente o mesmo que a Telefônica cobra para oferecer dois megas de internet por meio do Speedy, sem serviços adicionais de cabo ou telefonia. Não por acaso, o analista Cote-Colisson, do HSBC, rebaixou sua recomendação para as ações da Telesp, a subsidiária da Telefônica no Brasil. "A GVT será um concorrente importante da Telefônica ainda já em 2010", diz ele. E essa percepção é praticamente consensual no mercado financeiro. "A notícia foi muito boa para os consumidores, mas muito negativa para as empresas que já estão no Brasil", avalia Stephen Graham, analista de telecomunicações da Goldman Sachs.


Guinada nos anos 90:

Messier criou a Vivendi

a partir da Génerale des Eaux




Observar as ações da GVT nos dias de hoje pode revelar muito sobre a atuação da Vivendi daqui para a frente, que manterá a marca GVT (leia mais sobre os planos de Lévy na entrevista ao lado). Em fevereiro do ano passado, o Ministério do Planejamento abriu uma licitação conjunta para os serviços de telefonia de 18 órgãos federais. O preço ofertado pela GVT pela linha fixo-fixo foi de apenas R$ 0,02, o que lhe valeu um contrato de cinco anos, de R$ 17,9 milhões. O ponto crucial na troca de operadora é que, um ano antes, esses mesmos órgãos pagavam R$ 28,9 milhões em conta de telefone, uma diferença de 38%. "Como as conexões são mais novas e em fibra ótica, a qualidade é muito superior", explica Maurício Ruaro, analista do Ministério do Planejamento e responsável pela licitação. "Foi uma relação de custobenefício extremamente positiva." Tão positiva que nove órgãos do governo pegaram carona na licitação e outros nove estão em processo de adesão aos planos da GVT. Entre eles, até mesmo os ministérios da Fazenda e das Comunicações.



"Podem esperar preços menores"

Depois de adquirir a GVT, o CEO da

Vivendi, Jean-Bernard Lévy falou à DINHEIRO.

Eis alguns pontos:

Concorrência

"O consumidor pode esperar serviços de qualidade e preços bem mais baixos. Nós avaliamos que ainda há muito espaço para competir no Brasil, especialmente nos pacotes de banda larga. A GVT já tinha um plano agressivo de expansão, estará em São Paulo no próximo ano, e poderá crescer ainda mais com o apoio da Vivendi. Em todos os mercados onde a GVT entrou, ela reduziu preços em pelo menos 50%."



Marca

"Ela será mantida, assim como a gestão. Durante todo o processo de negociação, ficamos muito impressionados com o time da GVT e com a qualidade da rede e dos serviços. E nós acreditamos que, dentro de alguns anos, a marca poderá ser tão bem-sucedida no mercado de telecomunicações como é a Virgin."



Duelo com os espanhóis

"Durante todo o processo, estivemos em contato com os controladores da companhia. Desde o início, ficou claro para nós que a venda não estava ligada apenas ao preço. Os empreendedores que criaram a GVT têm orgulho do que fizeram e querem deixar um legado. Eles construíram uma marca e desejam que a empresa se consolide como uma alternativa competitiva no Brasil."



Preço pago

"Fizemos uma oferta inicial de R$ 42 e acabamos pagando R$ 56, o que representou uma relação de 9,2 vezes o ebitda da companhia. É um valor importante, mas que revela também nossa confiança no futuro do Brasil. Vocês têm um dos mercados mais dinâmicos do mundo e com grandes oportunidades de expansão."





No entanto, o ministro da área, Hélio Costa, pareceu surpreso com o resultado. Disse que o governo deveria exigir contrapartidas da Vivendi, assim como exigiria da Telefônica - esse argumento tem sido refutado pela Anatel, pelo simples fato de que os franceses chegam para aumentar a competição no Brasil, e não para reduzi- la. Executivos de outras companhias também ficaram insatisfeitos. Luiz Falco, que comanda a Oi, disse que teria sido melhor uma vitória dos espanhóis. "A Telefônica não faria uma guerra de preços", declarou. Mas isso talvez seja o que o mercado brasileiro mais necessita. "Se a Telefônica, a Oi e o ministério das Comunicações não gostaram, pode ter certeza de que a chegada da Vivendi será muito boa para o consumidor brasileiro", ironizou o executivo Virgílio Freire, ex-presidente de duas companhias relevantes do setor de telecomunicações, a Lucent e a Vésper. A expansão da Vivendi no mercado de telecomunicações fecha também uma estratégia surpreendente. A companhia francesa nasceu como um braço da uma empresa de saneamento centenária, a Compagnie Génerale des Eaux (CGE), que administra uma rede mais de 2,1 mil quilômetros de túneis de água e esgoto em Paris. Nos anos 90, o então presidente da CGE, Jean Marie Messier, criou a Vivendi e tentou transformá-la numa espécie de AOL européia - entrou em telecomunicações, internet e entretenimento. Ele se tornou uma das grandes estrelas do capitalismo francês, até o estouro da bolha da internet, em 2002. Acusado de fraudes contábeis, Messier foi obrigado a deixar o cargo e ainda responde a diversos processos. Jean Bernard Lévy assumiu em seu lugar, arrumou a casa e agora faz sua grande aposta no Brasil.



Com Carolina Matos e Hugo Cilo



Fonte:  http://www.terra.com.br/istoedinheiro/edicoes/633/artigo156689-1.htm



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