Pequena notável

Imagine uma tecnologia de rede residencial que também pode ser usada em redes de acesso e que atinja uma taxa de até 1 Gbps sobre um único cabo coaxial. Com baixa latência e reduzido índice de erro, oferece taxas simétricas (links iguais de upstream e downstream) e, ainda por cima, baixo custo de instalação e operação. Para as grandes operadoras, no âmbito do home-networking, ela viabiliza o tripleplay em vários cômodos da residência. Para os pequenos provedores de TV a cabo, até então presos ao padrão DOCSIS, essa tecnologia representa, antes de mais nada, a sobrevivência e a oferta de um portfólio competitivo de múltiplos serviços com menores custos. Essa tecnologia existe e chama-se HPNA - Home Phone Networking Alliance. Apesar de ainda desconhecida do público em geral, ela já está em operação comercial em pequenos municípios e vem chamando a atenção de todas as grandes operadoras do país pelo sucesso que teve com a AT&T, nos EUA.


Nascimento




A HPNA nasceu em 1998 como uma tecnologia de rede residencial sobre par telefônico, que na época atingia taxas de 1 Mbps. Com o tempo evoluiu a 10 Mbps. Porém passou a se tornar mundialmente conhecida somente em 2005, quando ganhou escala na operadora de telefonia AT&T. Na ocasião, a tele já ofertava o triple play via par trançado com HPNA aos seus clientes residenciais nos Estados Unidos, mas pretendia ir além e oferecer também serviços de vídeo distribuídos por IPTV. Era preciso, no entanto, um meio físico com boa largura de banda e capaz de distribuir múltiplos serviços para os outros cômodos dos domicílios. Para isso, a operadora testou o cabo metálico UTP cat. 5, que se mostrou inviável operacional e financeiramente. Fez pilotos com redes Wi-Fi e tentou ‘estender’ o par trançado, porém ambas as opções apresentaram alta atenuação e link insuficiente. O cabo coaxial foi o próximo meio físico a ser analisado. Já instalado não só nas salas como também nos demais cômodos da grande maioria das famílias norte-americanas, onde a TV a cabo é onipresente, foi a via natural que se provou a mais eficiente, até por sua blindagem e menor nível de atenuação.



Surgiu, então, uma parceria da AT&T com a israelense Coppergate, que na época desenvolveu um chip capaz de garantir velocidades de 128 Mbps, full duplex, em cima do cabo coaxial. O IPTV estava, enfim, garantido.



“Isso representou um grande salto tecnológico e essa tecnologia passou a ser apelidada de HCNA, pois utilizava a rede coaxial e não mais o par telefônico”, recorda Fabiano Carneiro, diretor de negócios da Abrangenet, representante da Coppergate no Brasil. Com a nova tecnologia, a AT&T alcançou uma base superior a 9 milhões de assinantes e, segundo dados da própria operadora, atualmente instala uma média de 500 mil modems HPNA (ou HCNA) por mês nos EUA.



Evolução



Um dos segredos do sucesso da tecnologia HPNA é o cronograma de evolução muito bem definido da plataforma. Quatro gerações da família de chipsets HPNA 3.1 se sucederam de 2005 a 2009, com respectivas taxas de transmissão de 128, 160, 256 e 320 Mbps. Para 2010, um salto ainda maior é esperado. “Já está no laboratório o G.HN, padrão HPNA que integrará as infraestruturas coaxial, telefônica e elétrica em uma só rede interna, com taxas de 1 Gbps na coaxial e 200 Mbps na rede elétrica”, revela Carneiro.



“Será algo totalmente revolucionário, o padrão global de redes internas para residências”, prevê.



Mas, como rodar taxas de 256 Mbps, 320 Mbps e futuramente até 1 Gbps em cima de um único cabo coaxial sem investir em uma infraestrutura DOCSIS 3.0, capaz de combinar a operação em múltiplos canais? O ‘pulo do gato’ do HPNA, segundo especialistas, é a pequena faixa de frequência usada, que apresenta atenuação reduzida, além do protocolo de transmissão simétrica e a forma de modulação. “A HPNA foi desenvolvida por PhDs em radiofrequência e experts em protocolos de transmissão e em TI, por isso é tão impressionante”, diz o representante da Coppergate no Brasil, sem revelar mais detalhes.



Desenvolvimento



De acordo com a Aliança Home PNA (www.homepna.org), associação que agrega operadoras, fabricantes e demais desenvolvedores da tecnologia, a cada cinco segundos um modem HPNA é instalado no mundo. Além da AT&T e Coppergate, há outros gigantes fomentando esse mercado, como a Cisco, Motorola, Alcatel-Lucent, D-Link, Samsung, Siemens, Scientific Atlanta e UT Starcom, além de grandes operadoras como Verizon, Orange, Telecom Italia, Telefonica da Espanha, Portugal Telecom e Telmex. No Brasil, a tecnologia está sendo analisada pelas operadoras em laboratórios e, em alguns casos, testada em campo.



Entre as teles nacionais, Telefônica, Embratel, TVA, Net e Neovia já testaram. “Não é para menos. No país, 90% da classe A tem cabo coaxial instalado, e em diversos cômodos. A classe B chega muito perto disso e não demora para que a classe C chegue lá também”, prevê Carneiro. Isso porque os cabos coaxiais estão presentes quando o usuário tem ou teve TV a cabo ou antena coletiva.



Giovani Pacífico, gerente de produtos para service providers da D-Link, outro entusiasta da HPNA, vai ainda mais longe. “Cerca de 90% dos domicílios das grandes cidades têm infraestrutura coaxial”, diz. “Essa é a tecnologia ideal para uma situação em que você precisa transmitir dados pesados dentro de uma casa, pois tem grande penetração e capilaridade. Por isso acreditamos muito no potencial da HPNA”, acrescenta.



Para João Marcelo, da Cianet, a HPNA também é uma solução perfeita para condomínios residenciais.



“Um único equipamento master pode controlar mais de 60 modems, com ferramentas de monitoramento e gerenciamento de QoS e outros serviços para cada assinante”, diz. A Cianet é uma das raras empresas que fabricam equipamentos HPNA no país, com linha de produção em Florianópolis, Santa Catarina. Para isso, recebeu investimentos de R$ 600 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia.



Testes



A D-Link produz em Taiwan modems HPNA com interfaces ADSL2, Wi-Fi, Ethernet e VoIP e está fornecendo esses equipamentos para testes da Telefônica no Brasil, Chile e Colômbia. Já a Motorola produz set-top boxes com o chipset HPNA embarcado para aplicações de HDTV e SDTV. A mais conhecida operação comercial com esses equipamentos é a da AT&T, nos Estados Unidos. A Telefônica do Brasil e da Espanha também utilizam os terminais, porém ainda para testes em campo e em laboratório. A Neovia (operadora de WiMAX) também admite que está realizando testes com HPNA. A assessoria de imprensa da operadora informou que a empresa prefere não se pronunciar pois os testes ainda estão na fase inicial. A TVA Sul experimenta a tecnologia em redes residenciais e também para aplicações de redes externas em Curitiba. Segundo Emerson Chagas, responsável pelos testes, há quatro assinantes testando a solução, com links de apenas 1 Mbps cada. “Só não aumentamos a banda por falta de liberação da Telefônica. O pessoal de São Paulo ficou de vir avaliar, mas não parecem muito empolgados”, diz. Na Net, Bruno Ferreira Baldin coordenava um projeto-piloto com a tecnologia HPNA em condomínios residenciais. Coincidência ou não, foi parar na concorrência. Ele garante, no entanto, que sua saída nada tem a ver com sua vivência e experiência na tecnologia HPNA. A Embratel realizou testes com HPNA em 2004 e, segundo Ivan Campagnolli, diretor de tecnologia e qualidade de redes da operadora, não se interessou mais pelo padrão. Além do mais, ele alega, os testes teriam obrigatoriamente de envolver a Net, detentora da infraestrutura coaxial e com grandes investimentos feitos em DOCSIS, o que tornaria a operação complexa.



Na Telefônica, Renato Pinto de Souza, engenheiro responsável pelos testes da HPNA nos laboratórios, revela que foram realizados experimentos com IPTV em alguns cenários. O mais “exigente” contempla dois pontos de HDTV e quatro de SDTV em uma residência. “Um link que suporte HDTV consome aproximadamente 15 Mbps, e um de SDTV, 4 Mbps. Conseguimos taxas de aproximadamente 53 Mbps, ou seja, mais do que suficiente para essa configuração”, comemora. Além da Motorola e D-Link, Pirelli Broadband, Trendnet e a asiática Send Tek forneceram equipamentos para a Telefônica. Por conta dos dois meses de interrupção das vendas do Speedy, os testes desaceleraram, mas esperase que ainda em setembro sejam retomados.



O próximo passo, segundo Souza, é a aquisição de 200 modems HPNA para um projeto-piloto abrangendo de 45 a 50 clientes. Isso deve ocorrer até o final do ano.



Contras



Apesar do sucesso dos testes, Renato Souza revela que o uso da HPNA na rede da Telefônica se justifica somente onde a operadora não consegue atender com UTP (cabo para redes Ethernet). “Um modem HPNA tem custo médio de R$ 220 e precisaríamos de um mínimo de dois por assinante. Já o custo do metro do cabo UTP é da ordem de centavos”, compara.



E em um cenário futuro, a HPNA cairia para o terceiro lugar na lista de preferências. “O Power Line Communications (PLC) ainda não é realidade, mas quando vingar deve ser nossa primeira opção”, antecipa.



José Geraldo de Almeida, gerente de novos negócios da Motorola, tem opinião bem parecida. Apesar de a Motorola produzir equipamentos HPNA e ser membro ativo da Aliança HomeHPNA, para ele essa tecnologia é pontual e complementar. Ele vê vantagens na utilização da HPNA nos últimos “dez metros” da rede residencial, exalta o grande sucesso do caso AT&T, mas não crê que esse padrão ganhará escala significativa no Brasil. “Não acho que a HPNA pode dar certo aqui. O mercado de TV a cabo vive um movimento de consolidação e a infraestrutura DOCSIS será aproveitada, não haverá mudança radical.



Além do mais, o DOCSIS já não é mais tão caro e está com custo decrescente”, explica. A Motorola é um dos maiores fornecedores globais da tecnologia de cable modems.



Já Fabiano Carneiro prefere acre ditar que é tudo uma questão de tempo. “Trata-se de uma tecnologia muito nova se comparada com suas concorrentes. Ainda está no berço, não tem mercado ainda, mas vai ganhar escala e em breve alcançará cifras milionárias”, diz.



No entanto, outro obstáculo para a evolução da HPNA no Brasil, segundo Almeida, é a ínfima oferta de links de ultra banda larga. “Não faz sentido uma tecnologia de 128 Mbps ou 256 Mbps se chegam no máximo 30 Mbps nas residências. Quando a banda larga estiver mais disponível, ubíqua e veloz, aí sim a HPNA poderá ser uma tecnologia promissora”. Mas isso, de acordo com ele, não deve ocorrer tão cedo. “A NCTA, associação de TVs a cabo dos Estados Unidos, prevê que conexões da ordem de 100 Mbps serão comuns por lá a partir de 2016. Talvez esse seja um bom termômetro para nós”, finaliza.



Made in Brazil



O responsável pela ideia de adaptar a HPNA, uma tecnologia essencialmente de home networking, para um sistema de redes externas é Ary Braga, um especialista em eletrônica com mais de 20 anos de experiência em empresas de TV a cabo. Ele é sócio-diretor da Net Angra, uma pequena operadora de TV a cabo de Angra dos Reis, no litoral fluminense, e conheceu a HPNA procurando na Internet um meio de oferecer serviços triple play aos seus 15 mil clientes. “Já havia testado fiber-to-the-home e WiMax, mas precisava de algo mais versátil e barato, que aproveitasse nossa infraestrutura existente de cabo com uma banda satisfatória para a oferta de telefonia IP, Internet e TV”, lembra. A operadora dispõe de um backbone HFC de 450 quilômetros, com uma distância máxima de 350 metros da fibra até a casa do assinante. “Compramos dez equipamentos HPNA para fazer um teste. Experimentamos e verificamos que era fantástico! Obviamente que não estavam adaptados para aplicações em rede externa de TV a cabo.” Segundo ele, os equipamentos não dispunham de filtros para separar a banda de dados da banda de televisão e o nível de radiofrequência era de 10 dB para que ficasse compatível com uma rede de TV a cabo. “Tínhamos alguns obstáculos a superar, mas percebemos que com alguma ajuda poderíamos dar um jeito nisso”, recorda. Para tropicalizar os equipamentos, Braga buscou o apoio técnico da Send Tek, um fabricante taiwanês de HPNA. “Eles fizeram os ajustes em uma velocidade impressionante e compramos mais 3,5 mil modems”. Para instalação nos postes, os equipamentos também tiveram de ganhar dissipadores para fonte de alimentação e invólucros blindados. A partir daí, foi necessário apenas posicionar os housings – como são chamados – em uma topologia super distribution, arquitetura de rede em estrela que distribui os equipamentos em células. A rede da Net Angra foi desenhada de tal forma que cada braço da rede conta com dois modems mestre, cada um controlando 40 modems-escravo. Dessa forma, cada grupo de 40 assinantes pode dividir uma banda de até 128 Mbps. Hoje, além dos 15 mil assinantes de TV a cabo, a Net Angra também tem 3,5 mil assinantes de Internet e 500 de telefonia IP, serviço mais recente, lançado há 6 meses. Para o segmento residencial, a empresa oferece links de 300 kbps a 1 Mbps e para o corporativo, até 10 Mbps. “Até o final de 2010, a previsão é de 7,5 mil clientes de Internet e telefonia”, prevê Braga.



Para o diretor geral da Net Angra, Glauco Reis, com a tecnologia HPNA, o céu é o limite. “Hoje não ocupamos nem 10% da nossa capacidade de rede e já planejamos lançar canais digitais high definition no início de outubro. E no começo do ano que vem, nossos clientes terão video on demand”, revela.



Com tamanho sucesso, ele sonha com vôos ainda mais altos. “Quando a HPNA evoluir para 1 Gbps, serão 256 Mbps por célula, ou seja, mais do que 12 Mbps por usuário. Será a era dos múltiplos serviços, como HDTV, SDTV, telefonia, IPTV, video-on-demand, games, telemetria”, comemora.



Os resultados colhidos pela Net Angra chamaram a atenção de uma série de outras pequenas operadoras de TV a cabo, como a Cabovisão, de Rio do Sul (SC).



Segundo João Coelho, presidente da operadora, a concorrência com a Sky e a Oi fez com que a empresa adotasse uma estratégia de negócios mais agressiva. Em outras palavras, era preciso mais do que uma programação de TV para reter a base de 3 mil clientes. “Para nos mantermos no mercado, tínhamos de oferecer também Internet”, lembra. “Com o sistema DOCSIS, o investimento seria de uns R$ 2 milhões, pois teríamos de construir novas redes, adquirir centrais, instalar amplificadores. A tecnologia HPNA caiu feito uma luva, pois é bem mais econômica e flexível”, diz. Coelho exalta também o caráter modular da solução. “Podemos instalar os equipamentos por etapas, pois a topologia da rede é em estrela. Assim não é preciso fazer o investimento todo de uma vez”, diz.



Em menos de um ano, a Cabovisão conquistou 500 clientes de Internet, oferecendo links de até 4 Mbps com preços competitivos. Um link de 1 Mbps, oferecido a 85% dos assinantes, custa R$ 49,90. A próxima etapa é o triple play. “Vamos nos associar a uma operadora STFC para oferecer também telefonia”, revela.



Redes externas



Mesmo com o sucesso de pequenas operadoras de TV a cabo, o uso da HPNA nas redes externas, aplicação tipicamente brasileira, ainda divide opiniões. Para João Marcelo, da Cianet, essa solução pode ser uma eficiente ferramenta para a universalização da banda larga. Seria uma boa solução para que operadores de SCM, por exemplo, ofereçam seus serviços de banda larga a condomínios sem precisarem investir em cabeamento de rede. “É simples, apresenta boa relação custo/benefício, baixo custo operacional e alto desempenho. Estamos mostrando para o governo que vale a pena investir nisso” diz. Não é o que pensa José Geraldo de Almeida, da Motorola. “A HPNA para redes externas merece uma avaliação mais criteriosa. E isso só acontecerá com uma economia de escala que virá com o tempo”, diz.



Daniel Machado

Fonte: http://www.teletime.com.br/Revista.aspx?ID=151349

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