Autodenominado mídia futurista, o alemão Gerd Leonhard é autor de três
livros sobre música e cultura livre. Consultor em assuntos como
conteúdo móvel, mercado de música digital e copyright para mais de
quinze empresas de mídia, entre elas Google, BBC e Nokia, ele vem ao
Brasil na próxima quarta, 24, para um evento fechado sobre o futuro da
comunicação e da mídia social em São Paulo e conversou com o Link.
Qual sua impressão sobre o Flattr, a ideia de Peter Sunde para monetizar obras digitais?
Uma
ideia brilhante(ainda que não seja inteiramente nova, e esteja de
alguma forma relacionada ao Paypal e ao Kerchoonz). Ela corresponde a
algo que eu vivenciei nos últimos anos: as pessoas pagam se a) são
valorizadas e ganham méritos por isso, por isso ficam inclinadas a
devolver o favor, b) elas confiam em você e c) o preço é justo. Talvez
o Flattr possibilite isso; no meu ponto de vista, a economia do “muito
obrigado” via micropagamentos pode ser poderosa. Mas a questão é a
escala: seu público precisa ser bem grande para que o sistema funcione.
Acho que esse será o primeiro desafio: conseguir 50 milhões de usuários
e se tornar um serviço considerado padrão, como o PayPal, ou então o
Flattr se tornará insignificante.
Quais os modelos de monetização de conteúdo digital que você considera mais interessantes?
Os
únicos realmente válidos são os que funcionam por classificação de
mérito do produtor de conteúdo e os que se parecem com o consumo
gratuito de música, por exemplo, com pagamentos embutidos em faturas de
provedores de acesso ou operadoras móveis, ou mesmo o download
patrocinado por anunciantes. Tenho falado disso há uma década e está
finalmente dando certo com a TDC telecom, na Dinamarca, com a proposta
da Associação de Escritores de Músicas no Canadá, com o Google Music,
na China - se eles ficarem lá -, e com o Spoti. Mas acrescente um
grande "porém" aqui: os modelos de sucesso, é claro, estão sob a tutela
das grandes gravadoras, ainda, o que não é bom. O problema é que
ninguém pode realmente inovar na indústria musical sem esforços
políticos grandes. Por exemplo, se o modelo de licenciamento, de
copyright e de permissões continuar o mesmo não dá para chegar a um
acordo. O Myspace teve sucesso porque começou sem uma licença, sem
permissão dos selos, e fez o que os usuários queriam: streaming de
graça, redes sociais em torno da música. É claro, esse caminho foi
arruinado quando eles foram comprados pela NewsCorp/Fox, o modelo não
podia continuar e eles deveriam se tornar "legítimos". O ponto é que,
quando o único jeito de inovar significa que é preciso fazer algo
ilegal (ou semi-ilegal, como o Last.fm), então há algo errado com o
sistema. O sistema de licenciamento na indústria da música precisa ser
completamente revisado e resetado, para caber em uma economia dibgital.
Música online precisa ser lidenciada como rádio, com uma licença
pública e simples, baseada no compartilhamento de lucros e que permita
que as empresas hajam legalmente desde o início.
Como você viu o episódio em que o Google fechou alguns blogs de música há duas semanas?
O
Google precisa ser muito cuidadoso com copyright, porque todos os
detentores de direitos estão em cima deles. Além disso, sem que as leis
sejam adaptadas ao que as pessoas realmente fazem com música, ninguém
tem chance de fazer negócio a partir disso. A indústria musical
tradicional é um exemplo primário de uma indústria não-funcional, que
não tem mais lidenraça nem espírito: precisa recomeçar do zero, e não
receber ajustes.
Como a mobilidade vai mudar a forma que consumimos cultura?O
comportamento do consumidor de mobile é completamente diferente do que
fazemos quando estamos presos a um fio no PC. A web agora é sempre on,
está conosco no nosso bolso o tempo todo, e isso muda tudo. Nem tudo é
só positivo, claro, e teremos que aprender a equilibrar os vários
estímulos que virão com esse novo modo de conectividade. Mas
basicamente, um consumidor conectado e nômade é algo realmente
poderoso, de uma maneira completamente diferente de um consumidor
localizado, desconectado. Tenho cinco previsões para a próxima década
da mobilidade:
1. A propaganda móvel vai superar o modelo
decididamente ultrapassado da Web 1.0, centrado no computador - e os
anúncios vão se tornar conteúdo, quase completamente. Os anuncios vão,
dentro de 2 a 5 anos, converter-se massivamente em móveis, baseados em
geolocalização, opcionais, sociais e distribuídos pelo usuário. A
propaganda se torna convergente - e o rendimento do Google será des
vezes maior do que é hoje, em cinco anos, conduzido por mobile e vídeo.
2.
Os tablets se tornarão a maneira como muitos de nós lerão revistas,
livros, jornais e até "irão" a shows, conferências e eventos. O
famigerado Apple iPad irá inaugurar isso, mas todas as grandes
fabricantes farão uma cópia do iPad nos próximos 18 meses. Além disso,
os tablets vão estrear a era da realidade aumentada em mobile. Isso
será o grande boom das empresas de conteúdo, no mundo todo - mas só se
elas puderem abandonar os esquemas de proteção do conteúdo, e cortar os
preços em troca de uma base de usuários muito maior.
3. Muitos
fabricantes de smartphones simples - provavelmente a primeira será a
Nokia - vão tornar os aparelhos gratuitos, cobrando uma pequena taxa
por todas as transações feitas pelos telefones (mais ou menos como os
cartões de crédito fazem atualmente), por exemplo pequenas compras,
conteúdo on-demand e acesso bancário. Os telefones móveis se tornam
carteiras, bancos e caixas eletrônicos.
4. Boa parte dos
celulares não vão funcionar em nenhuma rede em particular, ou seja, sem
SIM cards. O Google, e talvez o Skype, a LG ou a Amazon vão oferecer
telefones móveis que vão funcionar só com WiFi e WiMax, e vão oferecer
ligações mais ou menos gratuitas. Isso deve finalmente acordar as
operadoras e forçá-las a subir na cadeia alimentar - para produtoras de
conteúdo e provedoras de "experiências.
5. O conteúdo será
embutido nos contratos de serviço mobile, começando com música. Por
exemplo, uma vez que seu telefone ou computador esteja online, muito do
uso de conteúdo - baixado ou em streaming- será incluso. Pacotes e
taxas únicas - muitas delas financiadas pela propaganda 2.0 - se torna
o jeito principal de consumir e interagir com conteúdo. Primeiro (será
com) música, então livros, notícias e revistas, e então filmes.
Com o Google Buzz, surgiu a discussão sobre o futuro da busca, que seria social. Qual sua opinião sobre essa análise?
O
Google é líder em buscas, e esse é o propósito principal deles. O fato
que a busca pode ser agora social é muito novo, muito recente e ainda
um pouco confuso - como qualquer coisa aberta e social, argumentariam.
O Google vai colocar recursos massivos em busca social, como por
exemplo a integração dos paradigmas tradicionais da busca - page rank -
com os resultados em tempo real, somados é claro com serviços baseados
em geolocalização. Estamos entrando numa nova fase da rede, uma era em
que eu não estou só interessado em saber o que é melhor rankeado, mas
também o que está mais perto de mim ou é mais relevante pra mim, ou
então o que é aprovado pelas pessoas de quem eu gosto, e é um grande
desafio sincronizar isso com os úçtimos 10 anos de busca. Podemos
esperar uma série de novas empresas legais tentando tirar o Google da
jogada em relação a isso - o que é bom!
Outra discussão que o Google Buzz trouxe à tona é a possibilidade de uma disputa entre o Facebook e o Google.
Há
espaço para vários jogadores na quadra, então não vejo um grande
problema, uma grande competição. O Google Buzz vai ser largamento
adotado, mas dado que quase todo mundo hoje usa APIs abertas, e esses
serviços todos conversam entre si, então... que tal uma co-mpetição?
E por que o Twitter não faz parte desse suposto cenário de disputa?
O
Google tem objetivos muito maiores: tornar acessível, encontrável e
útil a informação no mundo, e ser dono de 25-50% do mercado mundial de
propaganda digital - minha avaliação. O Twitter vai ajudar nisso -
novamente, as APIs deles já conversam entre si. E o Google precisa
muito de contra-pesos - do contrário, muitos usuários vão se assustar e
achar que o Google precisa ficar muito bonzinho só para compensar (o
monopólio).
E a TV digital interativa? Quando é que ela vai se popular entre os consumidores de poder aquisitivo mais baixo?
Os
preços das TVs de alta definição e do conteúdo vão cair dramaticamente
nos próximos dois anos, até o ponto em que a tecnologia se tornará
muito atrativa para outros países, também - mas acima de tudo, agora
temos TV 3D, realidade aumentada e o iPad. Haverá muitas opções de tela
e muita fragmentação entre os espectadores.
De que tecnologia, ainda meio escondida, nós falaremos dentro dos próximos cinco anos?Apresentar
conteúdo cross-media em tablets e dispositivos de toque vai desencadear
um novo negócio que vai remixar textos, vídeo, áudio, imagens, 3D e
realidade aumentada.
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