Imagine se toda vez que você fosse assistir a um vídeo no YouTube sua
conexão ficasse mais lenta e, sem mais motivos, ao tentar acessar um
site seu navegador fosse redirecionado de maneira automática para um
site de um serviço concorrente. E se você simplesmente não conseguisse
jogar qualquer game online?
Questões como essa, entre outras, se relacionam à discussão sobre a
neutralidade da rede. O conceito principal dessa ideia é que a internet é
um meio democrático e todas as informações que trafegam por ela são
tratadas da mesma forma, sempre na mesma velocidade, disponíveis para
todo e qualquer internauta. Todo site deve e pode ser acessado do mesmo
modo, assim como todo serviço online ou aplicativo conectado. A
neutralidade da rede significa, basicamente, que todo e qualquer
conteúdo na internet deve estar igualmente acessível a qualquer pessoa
sem interferências no tráfego online.
Mas grandes operadoras de cabo e telecomunicações entendem que devem
poder atrasar ou acelerar o tráfego de dados em suas redes dependendo de
seu conteúdo, além de criar tarifas que contemplem velocidades de
acesso diferentes.
Exemplos da luta entre consumidores e empresas que vão contra a
neutralidade na rede não faltam. Nos Estados Unidos, por exemplo, a
operadora Comcast resolveu, em 2008, bloquear o acesso a serviços de
troca de arquivos online como o BitTorrent. A Comissão Federal de
Comunicações (FCC na sigla em inglês, uma espécie de Anatel dos EUA)
disse que a Comcast não poderia fazer isso, e a briga foi parar na
Justiça - que aceitou o pedido da Comcast para poder processar a FCC, e a
questão ainda está em andamento.
Operadoras como a Comcast, que oferecem serviços múltiplos ao
consumidor, como internet rápida, TV a cabo, filmes sob demanda e
telefonia convencional, podem ser as maiores interessadas na questão da
não-neutralidade da rede. Desse modo, podem, na teoria, oferecer
melhores serviços aos seus clientes dentro do pacote que já vendem a
eles, impedindo o acesso a outros conteúdos de "concorrentes". Estúdios
de cinema e gravadoras também são potenciais interessados nisso, já que
um provedor pode barrar ou limitar o tráfego em sua rede para a troca de
arquivos em redes ponto-a-ponto, como Bit Torrent. Desse modo, evitam
ou coíbem a pirataria.
Só que barrar um serviço por suposta "ilegalidade" - como a troca de
arquivos - pode também impedir que recursos legais usados por outras
empresas sejam barrados. O professor T. Baron Cartney, que ensina
direito na Universidade de Boston, disse ao jornal da universidade que
"muita gente usa a rede para baixar arquivos ilegais. Mas a emissora NBC
usa a mesma tecnologia para transmitir filmes. A agência AP, quando a
Comcast disse que não interferia na rede, fez um teste e usou uma bíblia
para download. É difícil argumentar quando os direitos autorais ainda
são válidos".
A controvérsia da neutralidade da rede também esbarra na questão da
opção do consumidor: muitas vezes, ele pode estar restrito a um único
serviço de internet/voz/dados por simples falta de concorrência. Como no
Brasil, a telefonia nos Estados Unidos se expandiu após a quebra de
monopólio, que pode continuar a existir em determinadas localidades. Em
um fato isolado, mas que serve bem para mostrar a situação, lembre que o
iPhone é vendido nos Estados Unidos apenas por uma operadora
(AT&T), mas no Brasil por todas (Oi, Claro, Tim, Vivo). E se a
AT&T quisesse limitar a velocidade de download para todos os
usuários de iPhone?
Empresas como o Google são extremamente engajadas na defesa da
neutralidade da rede. "Para a gente, o tema não é sobre rigidez
regulatória, mas sobre proteger consumidores e manter a internet aberta
para inovação", defende a empresa em seu blog de políticas públicas,
onde propõe novas ideias para a FCC no caso da Comcast.
Entre os ideais defendidos pelo Google estão a criação de princípios
para banimento da prioridade de tráfego na internet referentes a quem
transmite ou cria um conteúdo ou aplicação, maior transparência sobre as
ofertas das empresas de telecomunicações aos consumidores e, ao mesmo
tempo, manter um gerenciamento de rede que contemple algumas exceções
para evitar questões de segurança, como malware e spam.
O debate sobre a neutralidade da rede ocorre em maior espectro, hoje,
nos Estados Unidos e na Europa, com entidades como a EFF (Electronic
Frontier Foundation) e sites específicos (savetheinternet.com e
freepress.net) defendendo a causa. Se tudo der certo, quem ganha mesmo é
o consumidor e internauta.
É uma longa discussão, que ainda mal chegou ao Brasil. "Um dos
grandes problemas em regular esta área é que a tecnologia muda tão
rápido que o que faz sentido hoje é insano amanhã", conclui o professor
da Universidade de Boston.
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