A Anatel deverá abrir 2011 com uma agenda e tanto para o setor de telecomunicações. Se o PGMU aqueceu o debate sobre redes de transporte de dados em alta velocidade, um outro documento deve incendiar de vez a discussão: o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC).
Após anos de demanda por parte das empresas que não têm rede própria, a Anatel está prestes a colocar em consulta pública o aguardado (e complexo) PGMC. Mas logo de cara, as empresas darão falta de um elemento importante. Em todo o material produzido pela Anatel não se trata do full unbundling. A desagregação total das redes só é citada nos estudos técnicos e, ainda assim, não como uma proposta real, mas apenas para justificar a concentração das redes nas mãos das incumbents exatamente pela ausência da regulamentação do unbundling.
Prevista no marco legal do setor, a desagregação das redes foi defendida ao longo dos anos como uma espécie de fórmula milagrosa para que a competição realmente se estabelecesse na telefonia fixa. Pelo visto, a Anatel não acredita mais na possibilidade de um milagre nessa seara. Nos estudos técnicos que embasaram a formulação do PGMC, a equipe técnica não deixa margem para dúvida sobre o futuro projetado para o mercado de infraestrutura de acesso em banda estreita: “esse é um mercado em decadência”, afirmam os técnicos.
O futuro é a banda larga. E isso fica evidente tanto nas conclusões obtidas a partir da dissecação dos mercados relevantes de telecomunicações quanto nas medidas assimétricas sugeridas no PGMC. O material, obtido com exclusividade por TELETIME, é bastante contundente na construção desse cenário futuro, abandonando as tradicionais análises que serviram de parâmetro até então para a Anatel. A área técnica, por exemplo, sugere que a agência retire as medidas regulatórias envolvendo a EILD, pilar das controvérsias de acesso à rede no mercado atual. Em compensação, de todos os mercados relevantes analisados, as declarações mais fortes em prol da adoção de um controle mais claro e rígido por parte da Anatel são feitas, justamente, na análise da oferta da infraestrutura para oferta de acesso à Internet em alta velocidade.
Nessa linha de pensamento, o PGMC pode não ter o full unbundling, mas terá o unbundling de bitstream. A agência optou pelo caminho da desagregação lógica da rede de acesso como forma de equilibrar a concorrência nos mercados onde há grupos com grande presença vertical e possibilidade de abuso dessa posição, os chamados detentores de Poder de Mercado Significativo (PMS). Apesar da mudança de perspectiva, o mundo dos gigantes no setor de telecomunicações não se alterou sensivelmente. De todos os mercados relevantes analisados pela Anatel, o campeão do PMS é, sem dúvida, o Grupo Telemar (Oi). A concessionária deverá ser a maior afetada pelas medidas assimétricas que a agência reguladora pretende impor tão logo edite o PGMC. Entre essas medidas, chama atenção um capítulo que não deixa escapatória para a Oi e que está intimamente ligado às polêmicas dos últimos meses envolvendo o PGMU III.
Backhaul em São Paulo
O capítulo em questão traz no título “Medidas para grupos que contenham concessionárias do STFC atuando em setores de mais de uma Região do Plano Geral de Outorgas - PGO”. O longo cabeçalho poderia ser substituído tranquilamente por “Medidas para o Grupo Telemar”. A Oi é a única concessionária com Poder de Mercado Significativo, na definição da Anatel e, portanto, sujeita inicialmente a cumprir as medidas impostas pelo PGMC - que atua em mais de uma Região do PGO após comprar a Brasil Telecom. Outra empresa que poderia se encaixar no extenso título dado pela Anatel é a CTBC Telecom, mas não há indicação de que ela seja uma PMS de acordo com a análise técnica realizada.
O surpreendente é a medida em si sugerida pela Anatel. O grupo econômico que detiver uma concessionária prestando serviço em mais de uma Região do PGO terá que, obrigatoriamente, atuar nas demais regiões. Como? Construindo backhaul. O texto é bastante específico em afirmar que essa entrada no restante do país deverá ser feita por meio da instalação da nova rede para conexão em banda larga. Essa construção deverá ser feita dentro de um cronograma, atingindo todas as sedes municipais da região em um prazo de sete anos.
Um detalhe intrigante é que apesar de o Grupo Algar não ser classificado como PMS nas análises prévias feitas pelo corpo técnico da Anatel, é impossível dizer que ele está resguardado do cumprimento desta medida regulatória. Isso porque a agência não diz no capítulo que a meta vale apenas para quem tem PMS, embora essa pareça uma conclusão óbvia no contexto de construção do PGMC. O fato é que, da forma com que o texto está redigido, a CTBC teria que ampliar sua operação a todo o Brasil por meio da instalação de backhaul.
Deixando o dilema da CTBC de lado, a medida ainda assim pode gerar controvérsia. Vide a atual dificuldade da agência em convencer as concessionárias a ampliar o backhaul em suas próprias regiões de atuação. Exigir que a empresa duplique uma rede em uma região onde a concessionária local já a construiu por meio de obrigações de universalização é uma decisão, no mínimo, polêmica. Considerando novamente que a Oi seja o alvo dessa medida regulatória, a empresa teria que entrar sumariamente em São Paulo, criando um “backhaul alternativo” em uma área onde a concessionária local, a Telefônica, também é considerada detentora de PMS.
A ideia de inserir essa medida surgiu a partir da controvérsia em torno do PGMU III. A estratégia seria criar um “plano B” caso o PGMU naufrague exatamente por conta das metas de backhaul. Mas o texto da análise técnica obtido por este noticiário revela que as metas do PGMU III e as medidas do PGMC têm uma natureza mais complementar do que alternativa, lançando no ar a dúvida se o plano de metas de competição já não é um novo capítulo com relação à nova ordem apresentada pelo governo de estimular a construção de redes de banda larga pelas concessionárias. O PGMC ainda passará por consulta pública onde, certamente, essas e outras dúvidas serão exploradas pelas empresas.
Os mercados relevantes de telecom
A Anatel fez um vasto estudo sobre os mercados relevantes no setor de telecom para embasar a proposta do PGMC. Foram considerados sete itens para a avaliação da possível existência de Poder de Mercado Significativo (PMS): participação de mercado; economias de escala; economias de escopo; controle sobre infraestrutura; poder de negociação; atuação concomitante no atacado e no varejo e fontes de financiamento. Veja abaixo as conclusões obtidas.
• TV por assinatura
A agência contabilizou oito empresas de DTH atuando no mercado atualmente, 28 de MMDS e 105 de cabo. Na contagem geral de pontos, a Net Serviços seria a detentora de PMS por cumprir os sete requisitos analisados. Mas, ao avaliar a perspectiva futura do mercado, a área técnica sugeriu que não fossem adotadas medidas assimétricas nessa área. Os dois fatores que podem mudar o cenário concorrencial sem a necessidade de regulação ex-ante são a liberação recente de novas licenças de DTH para as concessionárias de telefonia fixa e a mudança no Planejamento dos Serviços de MMDS e de Televisão a Cabo, acabando com a limitação na emissão de novas outorgas para o cabo.
• Infraestrutura de Acesso em Rede Móvel
Nesse mercado foram analisadas as empresas de Serviço Móvel Pessoal (SMP) e Serviço Móvel Especializado (SME) que detenham redes de acesso. A agência concluiu que quatro grandes grupos - Claro, Oi, TIM e Vivo - controlam 98% das redes de acesso móvel do Brasil. Como a agência analisou o mercado por área de registro (DDD), cada uma das quatro empresas foi considerada com PMS em uma das áreas do país. No computo geral, a Oi seria a empresa com mais áreas onde poderia exercer poder de mercado. Mas, novamente, as mudanças recentes no mercado fizeram com que a equipe técnica não sugerisse a adoção de medidas assimétricas. Neste caso, pesou a aprovação do regulamento para a criação dos operadores virtuais (MVNOs) e o leilão da Banda H, que poderá viabilizar um quinto player.
• Interconexão em rede móvel
Foram analisadas nesse mercado as empresas responsáveis pelo controle dos Pontos de Interconexão (POI) nas redes móveis, sejam operadores de SMP ou de SME. Nesse caso, a avaliação predominante considerou as regiões do PGO e foram verificados os detentores de PMS para cada uma delas. Na Região I, a detentora de PMS é a Oi e, na Região III, a Vivo. Na Região II houve um empate entre Claro, Oi, TIM e Vivo, todas com seis dos sete requisitos para PMS na área. O critério de desempate utilizado foi a integração vertical, colocando a Oi também como PMS nessa região. Mais uma vez as perspectivas futuras evitaram a adoção imediata de medidas regulatórias de fomento à competição. O leilão da Banda H e a mudança no regulamento que estipula os critérios de cobrança entre chamadas fixas e móveis (Valores de Comunicação - VC) podem modificar naturalmente o mercado, na visão dos técnicos.
• Originação de chamadas em rede telefônica fixa
Esse mercado foi avaliado sob a ótica do controle do acesso local, considerado uma essencial facility. Empresas com concessão e autorização de STFC fazem parte do rol analisado. Desde 2005, a Anatel já considera as incumbents (Oi, Telefônica, CTBC e Sercomtel) detentoras de PMS nesse tipo de mercado por terem a chamada “vantagem do pioneiro”, ou seja, controlarem as primeiras redes implantadas. A equipe técnica entendeu que as medidas regulatórias impostas desde então tem sido suficientes para gerar a concorrência possível em um serviço considerado em “decadência”, nas próprias palavras da Anatel. As alternativas tecnológicas que têm aparecido no mercado nos últimos anos para a oferta de STFC também pesaram na decisão de não sugerir medidas assimétricas neste mercado no PGMC.
• Interconexão em redes telefônicas fixas
Considerado com características “monopolísticas” pela Anatel, esse mercado foi analisado sob o prisma da atuação das concessionárias e das autorizadas de STFC. O Grupo Oi tem características de PMS nas Regiões I e II do PGO. Já na Região III foram encontrados dois detentores de PMS: Telefônica e o Grupo Telmex/America Móvil, que congrega Embratel, Net e Claro. O controle dos preços de interconexão já é exercido pela Anatel nesse mercado como forma de equilibrar a oferta. No entanto, neste caso, a equipe técnica entendeu que a retração vivenciada por este mercado pode ser revertida com uma nova rodada de medidas regulatórias. A sugestão é que a agência atue de forma mais contundente para controlar a alavancagem de chamadas de longa distância por grupos que possuem participação expressiva no mercado de interconexão.
• Infraestrutura e redes de transporte local e de longa distância
Nesse mercado relevante foram analisadas as empresas que controlam backbones e backhauls, além da posse de elementos necessários a exploração industrial das telecomunicações e interligação de centrais (como dutos, condutos, armários, torres e fibras). A análise abrange também a oferta de EILDs, uma das áreas mais conflituosas nas relações de mercado. Nessa avaliação, a Anatel abandonou sua própria padronização de EILD, discriminada em “padrão” e “especial”, optando por classificar essa oferta como “local” e “longa distância”.
A agência depreendeu grande esforço identificando potenciais entrantes nesse mercado, descrevendo as redes de 14 empresas que poderiam concorrer na oferta de EILD. Chama a atenção a presença de subsidiárias de empresas do setor elétrico, como a Copel Telecom, a AES Com e a Eletropaulo Telecom. Considerando a possibilidade de exploração de nichos de mercado, a agência analisou a presença de PMS por área de registro. Assim, teriam PMS na oferta de infraestrutura local os grupos Telefônica, Telemar (Oi) e Copel (integrado com a Sercomtel). Na longa distância, os grupos com poder de mercado são Telemar, Telmex e Copel. Com o crescimento da demanda por fibra óptica, a sugestão nesse mercado é que a Anatel retire as medidas regulatórias existentes hoje como forma de estimular uma alocação mais eficiente dos recursos (investimento nas redes de fibra).
• Oferta de acesso e infraestrutura de dados em redes fixas
A dimensão do produto nesse mercado abrange tanto as ofertas de varejo de acesso quanto as de atacado (acesso às redes), pois ambas estariam intimamente ligadas nesse tipo de negociação econômica. As empresas avaliadas são as que têm licença de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), especialmente as que também são concessionárias do STFC. Isso porque a combinação das duas licenças deu a essas empresas o poder de “controlar parcela importante da rede de acesso fixo, utilizada para o provimento de conexão de Internet em alta velocidade”. Com essa perspectiva em mente, a Anatel classificou como detentores de PMS os grupos Telefônica, Telemar e Copel, avaliando cada área de registro brasileira. A rede de transporte de dados também foi considerada essencial facility, assim como a de voz, exigindo medidas regulatórias que estimulem o equilíbrio concorrencial.
Medidas assimétricas sugeridas
Os grupos classificados com Poder de Mercado Significativo (PMS) terão uma série de obrigações específicas, que vão desde a ampliação da transparência nos dados de atacado até a reserva compulsória de parte da rede para oferta aos concorrentes. Conheça as principais medidas assimétricas previstas no PGMC, conforme recomendação da área técnica:
1) Transparência
A detentora de PMS no varejo terá que prestar informações detalhadas sobre planos de serviço, promoções e descontos, além dos custos de instalação, manutenção e dispositivos de acesso. Esses dados serão analisados periodicamente por “entidades comparadoras”, instituições que serão credenciadas pela Anatel para avaliar os preços praticados no mercado.
No atacado, o grupo com PMS terá que criar um departamento específico em sua empresa, com status de diretoria, apenas para tratar dos procedimentos de atendimento de pedidos de acesso à rede. Será exigida da empresa a criação de um sistema de acompanhamento dos pedidos pelos concorrentes, com emissão de protocolo da solicitação e divulgação do encaminhamento na Internet. A empresa também terá que providenciar o desenvolvimento de uma Base de Dados de Atacado, que fornecerá informações a um grupo criado na Anatel especificamente para acompanhar o desenvolvimento desse mercado.
2) Oferta na rede fixa
A Anatel exigirá das empresas com PMS que detenham rede fixa, a desagregação de canais lógicos (bitstream). Para isso, a empresa será obrigada a formalizar contratos de desagregação com as partes interessadas em compartilhar os canais. Para solução de conflitos sobre o tema, a Anatel pré-definiu que usará como valor de referência os próprios preços já praticados pelo grupo com PMS: em caso de impasse, os canais lógicos deverão custar 20% a menos do que os preços de varejo pelo acesso.
A empresa com PMS terá que reservar 20% da sua capacidade física de infraestrutura (como dutos e condutos) para o atendimento de empresas que não pertençam ao seu grupo. A Anatel poderá vetar a participação da companhia que descumprir as exigências em leilões de radiofrequência. Não há referência no PGMC com relação ao full unbundling, ou seja, à desagregação física das redes.
3) Oferta de EILD
As detentoras de PMS terão que oferecer EILDs com desconto em relação ao preço de referência estipulado pela Anatel. Nos dois primeiros anos de vigência do PGMC, elas só poderão cobrar 80% do valor da tabela. A partir do terceiro ano, o percentual sobe para 90% e só após quatro anos de vigência do PGMC, as empresas poderão cobrar o preço cheio da tabela de referência.
Também será exigida do grupo com PMS a implantação de Pontos de Troca de Tráfego (PTTs) em cada área de registro onde a empresa atua. A operação dos PTTs deve ser aberta, seguindo as diretrizes do PTTMetro, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). A interconexão utilizada para o acesso aos PTTs será a de Classe V e a cobrança pelo acesso deve considerar diversas possibilidades de tráfego de dados (trânsito, trânsito parcial, peering e peering secundário).
4) Backhaul
A garantia de acesso à nova rede de oferta de banda larga também está prevista no PGMC. Empresas com PMS terão que reservar nada menos do que 50% da capacidade de backhaul para oferta a grupos concorrentes que prestem serviço de interesse coletivo.
A agência também exigirá que grupos com PMS que atuem em mais de uma área do Plano Geral de Outorgas (PGO) atuem obrigatoriamente nas demais regiões. Essa atuação se dará com a construção de backhaul nas sedes municipais em até sete anos. Essa construção será escalonada em três etapas: 40% das sedes em até três anos; 80% das sedes em até cinco anos; e 100% em até sete anos. À primeira vista, essa medida assimétrica atinge apenas a Oi, que tem potencial para ser classificada com PMS e atua em mais de uma região do PGO como concessionária.
Mariana Mazza |
Nenhum comentário:
Postar um comentário