Afinal, onde está o projeto?


Por Venício A. de Lima em 15/2/2011
Ao apagar das luzes de seus oito anos de governo, o presidente Lula assinou decreto criando uma comissão interministerial para "elaborar estudos e apresentar propostas de revisão do marco regulatório da organização e exploração dos serviços de telecomunicações e de radiodifusão". Foi o terceiro decreto assinado para o mesmo fim.
A comissão seria integrada por representantes da Casa Civil, dos ministérios das Comunicações e da Fazenda, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) e da Advocacia Geral da União. Representantes de órgãos e entidades da administração federal, estadual e municipal, além de entidades privadas, poderiam ser convidados a participar.
O artigo 6º do decreto diz que "a Comissão Interministerial encerrará seus trabalhos com a apresentação, ao Presidente da República, de relatório final", mas não estabelece prazo para que isso ocorra.
O ex-ministro Franklin Martins, da Secom, declarou à época que "a idéia era (é) deixar para o próximo governo propostas que permitam avançar numa área crucial e enfrentar os desafios e oportunidades abertos pela era digital na comunicação e pela convergência de mídias.
Decorridos quase dois meses da posse do novo governo, e apesar de se constituir em alvo constante de acusações de censura por parte da grande mídia, não se conhece publicamente o projeto que teria sido elaborado pela comissão coordenada pelo ex-ministro Franklin.
Afinal, existe um projeto?
Pré-versõesAinda ao final do governo Lula, circularam análises de pré-versões do projeto, nas quais, em linhas gerais, se destacam os seguintes pontos,
1. Segue diretivas da União Européia, isto é, a regulação deve ser inversamente proporcional ao poder de escolha do usuário: quanto mais "pronta" é oferecida a programação, maior deve ser a regulação;
2. Incorpora as normas contidas no PLC 116 que trata da convergência das telecomunicações com a TV por assinatura e tramita no Congresso Nacional, desde 2007. Hoje se encontra pronto para votação no Senado Federal;
3. Prevê a criação da Agência Nacional de Comunicações, com poder para regular a prestação de serviço de TV aberta, por assinatura e cinema, cuidando dos aspectos de programação, distribuição e exibição;
4. Altera as regras para concessões de rádio e televisão que passam a incluir audiências públicas locais no processo de renovação e impedem políticos com mandato eletivo de controlarem empresas concessionárias;
5. Regula a proteção de crianças, adolescentes e de minorias e outros setores vulneráveis, além de definir limitações para campanhas publicitárias dirigidas a esses grupos;
6. Prevê a instalação de um Conselho ligado ao Executivo, com participação de diferentes setores da sociedade civil, com as funções de auxiliar no planejamento do setor, estabelecendo um plano nacional de comunicação; e
7. Não determina reserva de espectro para os sistemas privado, público e estatal, nem estabelece limites claros à propriedade cruzada.
Confusão generalizadaDepois da posse da presidente Dilma, o seu ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, se encarregou de dar diferentes declarações sobre o projeto, mas garantiu que "ele não estava concluído, que seria examinado por vários ministérios e passaria pelo aval da presidente, antes de ser levado à discussão pública" ( "Ministro se diz contra posse de jornal, rádio e TV na mesma região", Folha de S.Paulo; 13/1/2011).
Especialistas que participaram da elaboração do projeto também deram entrevistas confirmando alguns dos pontos listados acima.  E, mais recentemente, o líder do PT na Câmara dos Deputados publicou artigo em que afirma:
"A regulamentação do capítulo da Constituição Federal referente à comunicação é também tarefa estratégica. Há uma chiadeira dos proprietários dos conglomerados de comunicação, mas a matéria não pode ser mais adiada. Um novo marco regulatório das mídias, que garanta mais liberdade de expressão, democratize e impeça a monopolização do setor, e garanta uma sociedade plural e democrática, é sem dúvida um dos pontos centrais da agenda do Congresso" (Jornal da Câmara, 4/2/2011.De certa forma, instalou-se uma confusão generalizada em relação não só ao que de fato está no projeto deixado pelo ministro Franklin, como também em relação o que de fato pensa o atual governo sobre a regulação das comunicações.
A quem interessa?Um bom exemplo dessa confusão foi a manchete de primeira página do Estado de S.Paulo de 27 de janeiro: "Convergência de mídias leva governo a desistir de veto à propriedade cruzada.
Não seria melhor para todos – antes mesmo que se transformasse em projeto de governo e que fosse enviado à Câmara dos Deputados – se o tal projeto fosse divulgado e os interessados participassem democraticamente de sua discussão e fizessem sugestões para seu aprimoramento?
A quem interessa o prolongamento dessa confusão generalizada?

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