Em situações de emergência, mais do que nunca, a população precisa dos serviços de telecomunicações, seja para pedir socorro, seja para mandar notícias a parentes. Da mesma forma, a comunicação é essencial para equipes de resgate. Não à toa, a ONU lista comunicação como uma das três prioridades em casos de catástrofes naturais, depois de higiene e alimentação. O problema é que em muitas dessas tragédias as redes de telefonia fixa e móvel são atingidas e saem do ar. No Brasil, na última virada de ano, dois eventos extraordinários ocorridos em um intervalo de menos de um mês afetaram significativamente as redes de telecomunicações: o incêndio em uma central telefônica da Oi em Salvador, no fim de dezembro, e as fortes chuvas na serra fluminense, no meio de janeiro. À luz desses incidentes, ficou evidente que procedimentos das operadoras e órgãos públicos estão falhos. Mas que medidas podem ser tomadas para prevenir a falta de serviços de comunicação em tais situações? E como reagir para pôr as redes de volta no ar o mais rapidamente possível?
Em catástrofes naturais, o maior impacto acontece nas redes de acesso, ou seja, nas antenas celulares e nos cabos de cobre. No terremoto do Chile, mais de 600 ERBs da Movistar e da Claro pararam de operar. Com a exceção de uma torre na cidade de Concepción, as demais ficaram em pé. O problema é que suas antenas foram deslocadas pelo tremor. A ruptura de meios de transmissão de dados para as centrais e a queda no fornecimento de energia também contribuíram para tirar do ar boa parte da rede de acesso móvel do Chile. Os danos só não foram piores porque as torres celulares daquele país foram construídas levando em conta o risco de terremotos: são usadas cintas no lugar de parafusos e há folga nos cabeamentos, de maneira que os equipamentos vibrem junto com a terra, diminuindo o atrito, relata Wilson Cardoso, diretor de tecnologia para a América Latina da Nokia Siemens Networks, empresa que enviou 400 técnicos para auxiliar no restabelecimento do serviço de telefonia celular no Chile. A rede de acesso móvel chilena foi totalmente recuperada em 15 dias.
Na tragédia da serra fluminense, os deslizamentos de terra romperam um cabo de fibra óptica da Oi que servia de backbone para diversas operadoras fixas e móveis da região. Além disso, a distribuição de energia foi duramente afetada. Sem fornecimento de eletricidade e munidas de baterias com duração aproximada de quatro horas, uma parcela significativa das torres celulares parou de funcionar. Na manhã do primeiro dia do desastre, nada menos que 40 ERBs da Vivo na região estavam fora do ar, de um total de 85. De 16 municípios atingidos pelas chuvas, nove ficaram totalmente sem serviço da Vivo. O problema se repetiu em proporções similares nas demais teles celulares. No centro de operações da Vivo em Brasília, responsável pela região Sudeste, um alarme foi acionado ainda na madrugada do dia 12 de janeiro e o diretor de controle e gestão da empresa, Fábio Sepúlvida, foi informado imediatamente. Equipes de técnicos foram deslocadas de Volta Redonda e Campos (RJ) em carros 4x4 para a área. No entanto, deslizamentos haviam obstruído diversas estradas. A solução da Vivo foi alugar um helicóptero para sobrevoar a região e analisar melhor o cenário. “Durante o sobrevoo pudemos ver que as torres estavam todas no lugar. O maior problema era a falta de energia elétrica. Houve apenas um caso, em Bom Jardim (RJ), em que o equipamento ficou debaixo d´água. Ali foi perda total e tivemos que substituí-lo”, relata Sepúlvida. Enquanto a distribuição de energia não retornava, a saída para as teles foi levar geradores até suas ERBs e adotar um sistema de logística para abastecimento periódico de combustível. Em locais onde o acesso era mais difícil, optou-se por geradores a gasolina, que são menores e podem ser transportados de moto ou a pé.
O trabalho na serra fluminense exigiu também o uso das chamadas COWs (Cellular Over Wheels). Tratam-se de ERBs menores, de fácil instalação e que podem ser transportadas em furgões. Normalmente elas são usadas em grandes eventos, como jogos de futebol e festas de réveillon, para reforçar a capacidade das redes. Toda operadora mantém um estoque de COWs. O backhaul para essas ERBs é provido via satélite ou através de microondas de rádio. E a energia é fornecida por geradores ou por fontes renováveis, como painéis solares.
Outra medida comumente adotada quando uma torre para de funcionar é redirecionar remotamente as antenas de outras ERBs próximas, de forma a readequar suas coberturas e diminuir a área de sombra provocada pela queda da vizinha.
Por sua própria arquitetura e por não depender de fios para prestar a última milha, as redes móveis são sempre reconstruídas mais rapidamente que as fixas. Foi assim nos terremotos do Chile e do Haiti e nas chuvas no interior do Rio de Janeiro. Em pouco mais de uma semana a cobertura móvel nas cidades atingidas pelas chuvas estava quase toda recuperada. Na rede fixa, o conserto vai levar meses. Postes inteiros foram ao chão, levando junto os fios de cobre. Em alguns bairros não há nem mais calçada para pôr os postes. Ou pior: não há sequer a casa do assinante. “As redes fixas voltam muito tempo depois das móveis. Em alguns casos nem vale a pena reconstruir a parte fixa”, comenta Severiano Macedo, gerente de suporte de vendas da Alcatel-Lucent. A solução para atender os assinantes fixos que ficaram sem serviço acaba sendo recorrer à rede móvel: a Oi disponibilizou 35 mil celulares na região serrana para uso gratuito temporariamente. No Nordeste, onde o incêndio em sua central telefônica deixou milhares de pessoas sem telefonia fixa e sem banda larga via ADSL, a companhia distribuiu 18 mil celulares e 8 mil mini-modems 3G.
Transmissão
A comunicação entre as ERBs e as centrais de telefonia também costuma ser afetada nessas catástrofes. O backhaul geralmente é provido por links de rádio ou fibra óptica. Se não há maneira de recuperá-lo rapidamente, a saída é alugar capacidade satelital para esse fim. Várias operadoras fizeram isso na catástrofe da região serrana. Elas estão acostumadas a usar essa tecnologia, principalmente em sites remotos. O satélite ganha relevância em momentos de crise, pois, embora mais caro, é um serviço com ampla cobertura e que independe de redes físicas para o acesso ao cliente.
Pior que perder a conexão de um backhaul é ter problemas sérios em uma rede de fibra óptica de longa distância, ou backbone, responsável pelo tráfego entre grandes cidades ou mesmo entre continentes. Por segurança, essas redes de longa distância são desenhadas em forma de anel, para que haja uma rota alternativa em caso de ruptura. Cortes de fibra óptica, por incrível que pareça, acontecem com enorme frequência. A Global Crossing, por exemplo, registra em média de três a quatro rompimentos de fibras no Brasil por semana. Outras operadoras e fabricantes confirmam que se trata de um problema rotineiro no País, causado principalmente por obras em rodovias por onde o backbone passa. O conserto é feito em questão de poucas horas. “O que demora mais é chegar até o local”, explica o diretor de marketing e produtos da Huawei, Alexandre Fernandes. Já houve episódios de um anel de fibra ser cortado em dois pontos diferentes no mesmo dia, interrompendo completamente a comunicação. O mais recente aconteceu no Norte do País em janeiro na rede de um parceiro da Vivo: uma ponta rompeu de manhã e, antes de o conserto terminar, houve um corte na rota alternativa, de tarde. “Em quantidade de ERBs impactadas, esse caso foi pior que o da região serrana do Rio”, afirma Sepúlvida, da Vivo. Em poucas horas, contudo, o backbone voltou a funcionar.
Raro mesmo é ter rompimento de um cabo submarino de fibra óptica. Nos últimos dez anos, o diretor de marketing e comunicação da Global Crossing, Yuri Menck, lembra de isso ter acontecido apenas duas vezes. Os maiores riscos para os cabos submarinos são o atrito com rochas marinhas e a ancoragem de barcos. Para consertar um rompimento é preciso ir de navio até o local e puxar o cabo com robôs mergulhadores, para depois fazer a fusão da fibra a bordo.
Core, NOC e data center
Em uma analogia com o corpo humano, a rede de acesso seriam os dedos; o backhaul, os braços e pernas; e o backbone, a coluna vertebral. Os órgãos vitais são as centrais e o core de rede. Eles precisam ser construídos em locais seguros e dimensionadas para receber o tráfego de outras centrais, caso alguma pare de operar. É recomendado também o backup diário das informações do core de rede e o armazenamento em local à prova de terremotos, inundações ou quaisquer outras calamidades. Em redes móveis, cada MSC (Mobile Switching Center), concentra as chamadas de alguns milhões de assinantes. É importante que a rede de acesso seja capaz de rotear as chamadas para diferentes MSCs, como forma de proteção em caso de pane.
Cuidados semelhantes precisam ser tomados com os centros de operações, também conhecidos pela sigla em inglês NOC (Network Operation Center). De dentro desses centros é possível enxergar todos os pontos de uma rede e gerenciá-los remotamente. O ideal é sempre ter dois NOCs ativos. A Nokia Siemens Networks adotou essa solução para sua oferta de serviços gerenciados a operadoras: tem um NOC em São Paulo e outro igual e ativo em Portugal. Ambos estão prontos para assumir o trabalho um do outro se necessário. Na Índia, a empresa também tem dois NOCs, um no Norte e outro no Sul do País. No México, uma grande operadora de telecomunicações tem dois centros de operações, sendo um deles embaixo da terra, para não sofrer danos em caso de terremotos, conta Cardoso, da Nokia Siemens. A Global Crossing tem um centro de operações nos EUA que controla a rede no mundo todo e dois separados para a América Latina: um na Argentina e um de backup em Cotia (SP). Vale lembrar que, a princípio, se uma operadora perde seu NOC, a rede não para de funcionar. O que se perde é a visão da rede e seu gerenciamento remoto a partir de um único ponto.
Os data centers, por sua vez, são como o cérebro de uma rede, incluindo sua memória. Novamente, a melhor prevenção é ter um data center reserva, localizado em outra cidade ou país, pronto para fazer o trabalho de algum que saia do ar. Clientes como instituições financeiras costumam contratar planos de recuperação de desastres segundo os quais o serviço de data center não pode ficar inoperante por mais de um minuto.
A escolha da localização de um data center precisa ser muito bem pensada. E a construção do prédio leva em conta uma série de cuidados com a segurança. No terremoto do Chile, o data center da Global Crossing ficou de pé sem um arranhão: apenas alguns conectores saíram do lugar, conta o diretor de data centers da empresa, Vagner de Moraes.
Vale destacar que em casos emergenciais, especialmente quando envolvem catástrofes naturais, é preciso que operadoras e fabricantes flexibilizem suas práticas internas em prol de maior agilidade na solução dos problemas. Sepúlvida, da Vivo, lembra que a confiança na equipe é fundamental nessas horas: se um funcionário diz que precisa de um link via satélite ou de um helicóptero para acessar determinada localidade, terá a demanda atendida sem questionamentos. Entre os fabricantes, é comum fornecer equipamentos nesses episódios em caráter de empréstimo, cobrando da operadora mais tarde, depois de a crise ter sido resolvida. O mais importante é manter a rede viva e respirando, ou melhor, falando.
Telecomunicações aplicadas na prevenção de catástrofes
Redes de telecomunicações podem salvar vidas. A tragédia na região serrana do Rio de Janeiro trouxe à tona a discussão sobre o uso de broadcast via SMS para envio de alertas à população. A prefeitura do Rio de Janeiro pretende adotar o sistema em alguns morros cariocas onde há áreas de risco de deslizamento. Líderes comunitários receberão os alertas antes de chuvas fortes e ficarão responsáveis por disseminá-los a seus vizinhos. Planeja-se também instalar sirenes nas comunidades.
No Quênia, medida similar foi implementada junto à população que vive à beira do lago Victória, onde 5 mil pessoas morrem afogadas por ano, a maioria pescadores, em decorrência de acidentes causados por tempestades. A operadora Zain, em parceria com a Ericsson, aumentou a cobertura celular sobre o lago, ampliando a chance de pescadores pedirem ajuda. Além disso, foram instaladas várias antenas meteorológicas junto com as ERBs, para prever melhor as condições do tempo e emitir alertas automáticos por SMS para os pescadores.
Os satélites, por sua vez, podem contribuir com imagens feitas do espaço que ajudam na identificação de áreas de risco de deslizamento ou inundação. O governo italiano utiliza uma solução para esse fim contratada junto à Telespazio.
Comunicação de equipes de resgate é precária
As equipes de resgate que atuaram durante a tragédia na serra fluminense não estavam equipadas devidamente no que diz respeito a serviços de comunicação. Equipes de bombeiros, da Defesa Civil e da Cruz Vermelha que atuaram em áreas isoladas salvando pessoas e procurando corpos não possuíam telefones via satélite, essenciais nessas situações, já que boa parte das redes móveis estava fora do ar. Os walkie-talkies servem para a comunicação entre membros de uma mesma equipe, mas seu alcance é limitado a poucos quilômetros e não é possível realizar chamadas para a rede pública. O coordenador de socorro da Cruz Vermelha em Petrópolis, Richard Strauss, relatou um episódio em que sua equipe encontrou três corpos em uma localidade isolada, após caminharem duas horas. Como não tinham comunicação e não tinham condições de carregar os corpos, tiveram que marcar a localização no GPS e voltar para a cidade para pedir que um helicóptero fosse retirá-los. Se fossem pessoas feridas que precisassem ser levadas urgentemente a um hospital talvez não sobrevivessem. TELETIME visitou a região atingida pelas chuvas acompanhando uma equipe de técnicos da Tesacom que levou telefones via satélite para emprestar aos socorristas e à população desabrigada.
Houve muitos pedidos de aluguel e compra de telefones via satélite para empresas como Arycom, OnixSat e Tesacom, que revendem os serviços da Inmarsat no Brasil. Os bombeiros, por exemplo, encomendaram 50 unidades junto à Tesacom no dia 18 de janeiro, quase uma semana depois do pior dia de chuva. A Cruz Vermelha, por sua vez, começou a negociar uma compra com a OnixSat. “Infelizmente, procuram a gente nos piores momentos, como quando caiu o avião da Air France no Atlântico”, lamenta Ciro Chudo, diretor comercial da Arycom. O presidente da Tesacom, Dante Quinterno, alerta: “As primeiras 48 horas após uma catástrofe são críticas. Se houvesse comunicação teríamos salvado mais vidas”.
Celular
Quando acontece um desastre, ainda que as redes móveis permaneçam intactas, o serviço de telefonia celular pode passar por instabilidades em razão do congestionamento da rede. O diretor de tecnologia da Nokia Siemens para a América Latina, Wilson Cardoso, sugere que as operadoras reservem parte de suas capacidades para o atendimento a telefones de órgãos e corporações públicas, como Bombeiros e Defesa Civil. Ele recomenda também que as operadoras estabeleçam mecanismos de priorização entre suas redes para dar preferência às chamadas feitas por esses órgãos em situações de emergência.
Se por acaso as operadoras móveis saírem completamente de funcionamento, é sempre possível construir uma mini-rede às pressas. A Ericsson tem um time global para isso, chamado Ericsson Response, que é acionado pela ONU e Cruz Vermelha apenas em situações calamitosas. Eles montam rapidamente uma rede móvel local, habilitam linhas para os funcionários das duas entidades e instalam um link via satélite para a comunicação com redes externas
Fernando Paiva
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