Estratégias de uso do celular por camadas populares vira tema de pesquisa

Há algum tempo, os termos “Celular pai de santo” e “celular orelhão”, utilizados para referir à telefonia móvel, eram empregados em tom irônico, para fazer alusão àqueles usuários que não mantinham créditos em seus telefones. Mas a brincadeira virou objeto de estudos, impulsionada por pesquisas que apontam um crescimento considerável do setor no País.


De acordo com a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), atualmente, existem 217,3 milhões de celulares em operação no País. Há 13 anos, esse número era de apenas 7,4 milhões.
Porém, a especialista em marketing e doutora em antropologia social Sandra Rúbia da Silva, explica que ter celular não significa usá-lo efetivamente. No estudo “Do ‘celular pai de santo’ ao ‘celular orelhão’: humor, conflito e novas práticas socioculturais na apropriação do telefone celular em grupos populares”, ela afirma que, no Brasil, as tarifas dos serviços de telefonia móvel estão entre as mais caras do mundo.
Publicado na revista Intexto, ano passado, o estudo mostra que o País aparece entre os quarenta últimos em um ranking de comprometimento da renda com serviços de telefonia móvel, feito em 150 países pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), um órgão da ONU.
“Os brasileiros comprometem em média 7,5% de sua renda per capita somente com os serviços de telefonia móvel, ao passo que para indianos, mexicanos e argentinos essa taxa fica em torno de 2% e para suecos e noruegueses, 0,2%”, explica a pesquisadora.
Frente a essa realidade, Sandra revela quais são as estratégias e táticas que os habitantes do Morro São Jorge, um comunidade de baixa renda da cidade de Florianópolis, utilizam para conseguir usar seus aparelhos. Segundo a pesquisadora, o que se vê é muita criatividade. A primeira estratégia de apropriação dos telefones celulares observada por ela é a do “celular pai de santo”, que, segundo a piada bem-humorada, é aquele que só recebe ligações.
“Essa é a mais comum das estratégias para lidar com o alto custo dos serviços de telefonia móvel no Brasil. Nas palavras de meus interlocutores, é a lógica do ‘coloco vinte reais de crédito, e a hora que acabar, acabou’, disse Sandra.
A especialista também afirma que, a partir das regras das operadoras também é possível lançar mão de outras estratégias, como aproveitar as promoções oferecidas, que resultam em bônus adicionais para fazer ligações de voz ou mandar torpedos – mas apenas entre celulares da mesma operadora.
Outra estratégia das mais utilizadas é não usar o celular para fazer ligações a fim de economizar créditos, mas sim fazer uso do telefone público, o popular orelhão. “Vários moradores do Morro São Jorge cancelaram sua linha de telefone fixo, pois acham a assinatura muito cara, acreditando que com o celular fica mais fácil de controlar. E a principal razão para o uso do orelhão é certamente o preço: as ligações de orelhão para telefone fixo chegam a ser 800% mais baratas do que as originadas de um telefone celular”, explica.
Essa prática, ressalta a autora, não é exclusiva das comunidades carentes. “Seja na universidade, no hipermercado ou no shopping center, era comum observar indivíduos usando o telefone público em conjunto com o celular: com uma das mãos, discando; e com a outra, segurando o cartão telefônico e procurando o número a ser chamado na agenda do celular”, comentou.

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