Dirigismo, planificação estatal, intervencionismo em empresas privadas,
orientação estatal para investimentos privados, estatização, imposição
de preços em negócios privados, obrigação de investimentos para
manutenção de reserva de capacidade ociosa, investimentos sem
possibilidade de retorno econômico.
Essas e outras frases de teor similar foram utilizadas durante
audiência pública na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em
5/9 para contrapor proposta de Regulamento do Plano Geral de Metas de
Competição (PGMC) pelas várias e bem articuladas equipes de advogados e
economistas, representando as concessionárias locais de
telecomunicações, detentoras de poder de mercado significativo (PMS),
segundo análise realizada pelo regulador.
Mas ao contrário do argumentado, o que está muito bem descrito na
proposta do PGMC é que operadoras com PMS terão obrigação de fazer
Ofertas Públicas de Referência para comercializar capacidade de
elementos de rede nas situações previstas no regulamento.
Tais ofertas serão formuladas de forma a “incentivar novos
investimentos em redes” (parágrafo III, art. 7º do Anexo I), sendo,
portanto, fundamentadas em bases economicamente equilibradas, e que
deverão ser homologadas pela Anatel após avaliação por entidade
independente.
O texto não faz referências à inclusão de subsídios de qualquer
natureza nas referidas ofertas, nem à obrigatoriedade de se reservar
capacidade para atender terceiros. A proposta de regulamento também não
prevê obrigação das operadoras com PMS realizarem ofertas onde não
houver capacidade de rede disponível.
Quando atacam o PGMC, apontando para a obrigação de investir em
reserva de capacidade ociosa ou de se tabelar preços, os opositores do
plano parecem referir-se às obrigações temporárias de alocação de
parcela de capacidade e de oferta de preços de atacado que possibilitem a
replicação de ofertas de varejo (o “retail minus”), que serão impostas
às operadoras com PMS, em caráter liminar em situações de conflito, caso
não haja Ofertas Públicas de Referência homologadas pela agência.
Trata-se, portanto, de situação extrema, de caráter punitivo, e não
regra de funcionamento do mercado. Mesmo esta punição não contempla
subsídios ou preços artificiais. O argumento levantado pelos críticos do
PGMC, de que novos entrantes poderiam praticar “abusos” forçando as PMS
a disponibilizarem capacidade a preços predefinidos, não resiste a
qualquer análise séria. Isto por que não cabe aos demandantes decidir se
as Ofertas Públicas de Referência são adequadas ou não. Essa é a
atribuição da Anatel, por meio de metodologia predefinida e aplicada com
o apoio da Entidade Supervisora.
A propósito, o papel da Entidade Supervisora criado pelo Regulamento é
mitigar a assimetria de informações entre as partes e desestimular os
abusos e as práticas anticompetitivas que hoje travam o avanço na oferta
de serviços de telecomunicações no Brasil.
A Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de
Telecomunicações Competitivas (TelComp) esperava da Anatel postura mais
positiva, estabelecendo critérios para que operadoras com PMS tivessem,
sim, obrigações de atender às demandas de terceiros interessados, mesmo
nas situações em que não exista capacidade ociosa.
A razão é simples. É mais econômico para as ofertantes com PMS,
detentoras de redes e respectivas infraestruturas de suporte – em grande
parte, diga-se, sob concessão e sujeitas à reversibilidade – ampliar a
capacidade existente com um investimento incremental, do que obrigar um
novo entrante a construir toda uma infraestrutura a partir do zero.
Note-se que a rede legada é uma essential facility cuja duplicação
não é eficiente para a sociedade, e o incremento da capacidade, pelo
menos até certo limite, deveria ser, sim, obrigação da detentora de
PMS. Não se trata de um investimento a custos perdidos; ao contrário.
Os recursos necessários seriam incluídos na Oferta Pública de Referência
e totalmente absorvidos pela nova entrante, a quem caberia ainda o ônus
de pagamento do aluguel da rede. Em outras palavras, o novo entrante
paga pelo CAPEX [investimento] e gera receita futura de aluguel para a
própria operadora PMS.
Uma proposta dessa natureza seria atrativa para qualquer setor. Por
que razão, então, a concessionária com PMS não quer fazer investimentos
com o CAPEX pago por terceiros e com potencial de incrementar suas
receitas futuras a partir de um ativo de custo zero?
Reduzir oferta e pressionar preços criando barreiras adicionais para
novos entrantes são razões ilícitas e configuram práticas
anticompetitivas. É neste ponto que o PGMC poderia fazer diferença, uma
vez que as entrantes, trazendo ao mercado inovação e melhores propostas
de valor para o cliente, podem contestar a posição dominante das
detentoras de PMS.
Curioso ainda observar que neste instante em que discutimos o plano
de metas de competição, os principais operadores no Brasil já anunciam
bilhões de reais em novos investimentos ou apontam o país como
prioridade para as suas operações globais. Parece claro que competição é
instrumento poderoso, tanto para conquistar como para defender posições
de mercado. Não será o que está acontecendo?
* João Moura é presidente executivo da TelComp
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