Em
setembro do ano passado, começou a tramitar, na Câmara Municipal de
Porto Alegre, um projeto de lei que propõe a revogação da atual
legislação que regula a instalação de estações de rádio-base (ERBs) para
telefonia celular na Capital. O Projeto de Lei 03279/2011, de autoria
do vereador Airto Ferronato (PSB), coloca novamente em debate, no
Legislativo, a busca de conciliação entre a necessidade de capacitar a
cidade para a utilização das tecnologias mais modernas em telefonia
celular e os possíveis impactos que as ondas eletromagnéticas emitidas
pelas ERBs teriam sobre a saúde humana, bem como sobre o meio ambiente e
a paisagem urbana de Porto Alegre.
A
Lei 8.896, de 26 de abril de 2002, que está em vigência até hoje, trata
da instalação de ERBs e equipamentos afins de rádio, televisão,
telefonia e telecomunicações no Município. Pela lei atual, regulamentada
pelo Decreto 13.927/02, o licenciamento, no âmbito municipal, das
Estações de Rádio-Base deve ser precedido de análises urbanística,
ambiental e da edificação, passando depois pela licença e vistoria da
edificação.
A partir da Lei 8.896/02, Porto Alegre, primeira cidade do país a ter
uma legislação sobre a instalação das ERBs, passou a ser a única cidade
na América Latina a incluir normas com o princípio da precaução,
adotando regras similares às da legislação suíça sobre o tema. Com a
vigência da lei, as empresas de telecomunicações tiveram prazo de 36
meses para adaptar as cerca de 300 torres que existiam na Capital. Novas
antenas teriam de ser instaladas de acordo com as determinações
aprovadas e colocadas prioritariamente em fachadas ou postes. A nova
legislação também estabelecia dois tipos de frequência para as antenas:
900 GHz e 1.800 GHz.
Revisão
Em março do ano passado, técnicos da Federação das Indústrias do
Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) estiveram na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara para apresentar aos vereadores a
proposta da entidade para a atualização da Lei 8.896/02. As operadoras
de telefonia alegam que a alteração da chamada Lei das Antenas é uma das
exigências feitas pela Federação Internacional de Futebol Association
(Fifa) para a realização de jogos da Copa do Mundo 2014 em Porto Alegre.
As mudanças, de acordo com os representantes das operadoras, teriam o
objetivo de viabilizar a implementação da tecnologia de quarta geração,
mais conhecida como 4G, na telefonia móvel da Capital. A tecnologia 4G
trabalha com potência de 2,5 GHz, capacidade três vezes maior do que a
tecnologia GSM (Global System for Mobile Communications, ou Sistema
Global para Comunicações Móveis), hoje utilizada para os celulares.
Atualmente, há duas tecnologias, consideradas pré-4G, que são mais
exploradas na indústria: WiMAX e LTE (Long Term Evolution).
Em junho, a reivindicação foi a apresentada pelo diretor executivo do
Sistema Fiergs/Ciergs, Carlos Garcia, à Comissão da Copa 2014 na Câmara
Municipal, presidida pelo vereador Airto Ferronato (PSB). Na ocasião, o
secretário especial da Copa, João Bosco Vaz, defendeu a necessidade de
investimentos em telefonia a fim de garantir a infraestrutura necessária
aos profissionais que trabalharão em Porto Alegre durante aos jogos da
Copa em 2014.
Na Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara, em agosto,
representantes das operadoras Oi, Claro, Vivo e Tim afirmaram que a
flexibilização da Lei das Antenas deveria incluir a permissão para
instalação de novas antenas em topos de prédios e em postes de energia
elétrica. Segundo os técnicos, os níveis de radiação emitidos pelas
antenas hoje, com a tecnologia digital, são extremamente menores que os
das antenas antigas, chamadas de paliteiros, cuja instalação está sendo
contestada judicialmente. Até 2014, as empresas operadoras de telefonia
celular desejam colocar mais ERBs nas proximidades dos estádios de
futebol em Porto Alegre, a fim de oferecerem melhores serviços durante
os jogos da Copa do Mundo.
Licenciamentos
Em recente visita ao presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre,
vereador Mauro Zacher (PDT), a executiva de Relações Institucionais da
empresa de telefonia Oi no Rio Grande do Sul, Rita Campos Daudt,
ressaltou que, em 13 anos de vigência da legislação municipal sobre
ERBs, "muita coisa mudou, tanto em tecnologia como em pesquisas na área
da saúde". Para a executiva, Porto Alegre está atrasada em relação a
outras cidades do interior do Estado quanto a investimentos em
tecnologia por conta de um engessamento legal.
Em debate promovido pelas comissões permanentes da Casa no ano
passado, o representante da Agência Nacional de Telefonia (Anatel) João
Jacob Bettoni informou que Porto Alegre registrava, em 26 de julho de
2011, 652 ERBs instaladas. Na mesma ocasião, o engenheiro Adriano
Waclawovsky, da operadora Claro, explicou que a cidade é dividida em
células para efeito de cobertura pelas companhias telefônicas, sendo
necessárias as antenas para a emissão do sinal. "Quanto mais células,
menor a potência das ERBs." Ele observou que as operadoras recebem
grande número de reclamações por parte dos usuários, devido à falta de
cobertura em alguns locais da cidade e defendeu o aumento do número de
ERBs com menor potência cobrindo áreas de menor tamanho, a fim de dar
conta da demanda.
As operadoras também reclamam da falta de agilidade nos processos de
licenciamento das ERBs pela prefeitura em Porto Alegre, que estariam
demorando até dois anos. "Os limites e procedimentos administrativos são
incompatíveis com as demandas", alega Cláudio Castro, consultor da
operadora Vivo. Sérgio Felipeto, também da Vivo, justificou a
necessidade de aumento do número de ERBs na Capital em função das
dificuldades da tecnologia 4G, com maior potência, para propagação do
sinal em ambientes fechados. Ele negou, no entanto, que as
reivindicações estejam relacionadas apenas às exigências da Fifa para a
Copa do Mundo 2014. "Há uma evolução natural para a tecnologia 4G. É
preciso haver a otimização do espectro de frequência." Cláudio Castro
lembrou ainda que a distância mínima de 500 metros entre torres de
telefonia, exigida pela lei porto-alegrense, tem caráter meramente
urbanístico. "É preciso flexibilizar essa limitação de acordo com
critérios técnicos."
Para o professor e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC/RJ) Gláucio Siqueira, a distância entre as ERBs não
é o fato relevante, mas sim a medição da radiação, já exigida pela Lei
Federal 11.934 - que estabelece regras para instalação de ERBs. Segundo
ele, a distribuição de antenas garante uma boa comunicação e não causa
prejuízo à saúde da população e nem danos ao meio ambiente.
Danos
Ao longo dos debates sobre ERBs promovidos pela Câmara Municipal no
ano passado, Luiz Alberto Atz, do Movimento das Associações de Bairros
de Porto Alegre, manifestou preocupação com possíveis problemas de saúde
gerados pelas radiações emitidas pelas ERBs. "As empresas querem
alterar a legislação de Porto Alegre porque ela prejudica os lucros das
operadoras", afirmou. A Associação dos Amigos do Bairro Bom Fim,
liderada por Atz, foi a entidade que deu início ao movimento em defesa
da criação de uma legislação municipal mais rigorosa sobre a instalação
de estações de rádio-base de telefonia celular na Capital.
A partir da mobilização de moradores do Bom Fim, o movimento surgido
no início da década passada acabou se estendendo a outros bairros da
cidade. Ele reivindicava uma nova legislação que, com base no princípio
da precaução, contemplasse os seguintes pontos: proibição da instalação
das torres perto de aglomerações de pessoas; redução da taxa de emissão
de potência das torres, definição de distância mínima das antenas em
relação a imóveis, creches, hospitais e asilos; fiscalização do poder
público sobre as emissões eletromagnéticas e debate prévio com a
comunidade antes da instalação das torres.
De acordo com o professor da UFRGS Álvaro Augusto Salles, um dos
técnicos que auxiliaram na elaboração do projeto que deu origem à Lei da
Antenas, pesquisas epidemiológicas realizadas por cientistas teriam
acusado a incidência de casos de câncer em pessoas atingidas por
radiação eletromagnética. "Radiações ionizantes e não-ionizantes causam
fragmentação da célula. Mesmo em níveis muito baixos, elas podem causar
efeitos degenerativos." Salles destacou que a legislação
porto-alegrenses que regula a instalação de ERBs incorpora o conceito da
precaução, diminuindo os riscos da exposição à radiação. "Podemos
desfrutar dos benefícios tecnológicos, mas não às custas de prejuízos à
saúde da população", disse o professor durante debate promovido pela
Cosmam.
Na mesma ocasião, a médica Geila Radünz Vieira, da Coordenação Geral
de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, salientou que
as radiações eletromagnéticas provocam alterações em nível de membrana,
afetando a saúde humana, pois a capacidade de reparo das células vai
desaparecendo ao longo do tempo. Segundo ela, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) admitiu, no ano passado, que a radiação emitida pelos
telefones celulares pode causar danos à saúde, tal como a leucemia. "A
saúde tem de ser vista como um direito e não como uma concessão." Geila
questionou ainda por que as operadoras de telefonia desejam instalar
mais ERBs e não se interessam em colocar antenas de topo.
Para a promotora Ana Maria Marchesan, do Ministério Público Estadual,
a proposta de aumento do número de ERBs na Capital esbarra na exigência
legal que limita a, no mínimo, 50 metros a distância entre estações e
locais sensíveis como hospitais, escolas, clínicas, creches e outros. A
promotora também lembrou que a lei municipal de 2002 brecou o "efeito
paliteiro", em que as antenas de telefonia celular se sobressaem em
vários locais da cidade e agridem a paisagem urbana. "As empresas de
telefonia têm condições de oferecer tecnologia que não agrida o meio
ambiente e a saúde, sem necessidade de alterar a legislação."
Desta forma, o debate sobre a revisão da Lei das Antenas, proposta
pelo Projeto de Lei 03279/2011, deve prosseguir em 2012 na Câmara
Municipal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário