Nono dígito: esqueceram do usuário.

Lia Ribeiro Dias é diretora editorial da Momento Editorial. Seu nome, trabalho e opiniões são referências no mercado editorial especializado e, principalmente, nos segmentos de informática e telecomunicações, nos quais desenvolve, há 28 anos, a sua atuação como jornalista.

Desta vez, todos esqueceram literalmente do usuário.Ao contrário do que ocorreu em outras alterações na forma de digitar o número do telefone, como da introdução obrigatória do código de seleção de prestadora, não houve nenhuma campanha de massa. A Anatel, a quem cabe orientar os usuários na atual mudança, que atinge os telefones de código 11(64 municípios que integram a região da Grande São Paulo, incluindo o capital), não produziu um único anúncio informativo para o rádio e para a televisão. Tampouco as operadoras celulares investiram em uma comunicação esclarecedora para os veículos de comunicação de massa. Os esclarecimentos aos quais a população teve acesso foram produzidos pelos próprios veículos de comunicação de massa, em reportagens sobre a introdução do nono dígito.

Tudo o que as operadoras fizeram foi informar sobre a mudança nas contas telefônicas e em mensagens de SMS. Nenhuma delas, empresas que gastam milhões para fixar sua marca e promover seus pacotes de voz e dados, foi além disso. Nem mesmo indicam, em seus sites, que aplicativos, que introduzem automaticamente o número 9 à frente do número dos telefones de código 11, são mais eficientes ou mais confiáveis. Por que tamanho descaso?

As operadoras celulares justificam essa atitude, informando, por suas assessorias, que a tarefa a divulgação de massa caberia à Anatel. Nada justifica a omissão da agência reguladora, nem mesmo o alegado (e real) aperto orçamentário. Seus executivos deveriam ter solicitado recursos adicionais ao Ministério das Comunicações. E certamente teriam chance de acolhida já que a qualidade da telefonia celular e da banda larga é preocupação constante da presidente Dilma. Também espanta que o conselho consultivo da Anatel não tenha pressionado o regulador a sair do imobilismo. Também se calou, ou pelo menos não fez manifestação pública, o conselho que trata das questões do consumidor.

Nem os órgãos de defesa do consumidor, sempre tão atuantes, tiveram uma medida pró-ativa pública, antes que a introdução do nono dígito entrasse em vigor no dia de ontem, 29 de julho.

A justificativa das operadoras, que se restringiram a informar seus clientes de forma burocrática e sem visibilidade, não as exime de responsabilidade. Se é verdade que a responsabilidade é da Anatel, também é verdade que foram elas que pressionaram pela introdução do nono dígito, frente à iminência de esgotamento de números disponíveis para o código 11. Sem números disponíveis, não poderiam vender novas linhas celulares para o rico mercado da Grande São Paulo. Com a introdução no novo dígito, o código 11 ganha 46 milhões de novos números para celulares, passando de 44 milhões para 90 milhões. No médio prazo, a medida deverá ser estendida a outras áreas do país.

Não há uma explicação plausível por essa falta de atenção ao usuário, a não ser que todos os atores – Anatel, operadoras e entidades de defesa do consumidor – considerem que os 20 milhões de usuários atingidos pela medida não constituem um contigente expressivo ou que a alteração é tão simples, que não haverá nenhum problema.

De fato, a alteração é simples, mas pode haver confusão pois o novo dígito só vale para a Grande São Paulo e não para todo o estado. E mais: não inclui os celulares Nextel, que continuam com oito dígitos. Para os usuários de celulares comuns, a introdução do nono dígito terá que ser feita manualmente. Terão que inserir, à frente de cada número de telefone de sua agenda, o dígito nove. A alteração terá que ser feita até o dia 7 de agosto, pois desde ontem até esta data as ligações efetuadas serão completadas com oito ou nove dígitos, garantem as operadoras celulares. Depois do dia 8 de agosto, só serão completadas as ligações de código 11 com nove dígitos.

Para os usuários de smartphones, a introdução do novo dígito pode ser facilitadas com o uso de aplicativos. E aí um atitude pró-ativa das operadoras celulares poderia ter feito a diferença. Poderiam ter testado os aplicativos disponíveis, juntamente com os fabricantes de aparelhos celulares, e elaborado um ranking indicativo para seus clientes, com as virtudes e defeitos de cada um, os passos a serem seguidos.

Nada justifica esta negligência com os 20 milhões de moradores da Grande São Paulo, muitos dos quais têm mais de um chip. Nem mesmo os transtornos por que passam as celulares que estão proibidas de vender seus chips em determinados estados do país, por medida cautelar da Anatel, em função de problemas na qualidade do serviço. Ainda é tempo de Anatel e operadoras repararem esta imperdoável omissão.

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