Convergência elétrica

No setor elétrico, ao redor do mundo inteiro, não se fala em outra coisa: smart grid. O termo em inglês foi cunhado para expressar o conceito de rede elétrica inteligente. Trata-se de uma rede na qual todos os seus componentes, desde a geração até a distribuição de energia, se comunicam e podem ser monitorados e controlados remotamente. É a digitalização da rede elétrica, o que propiciará uma série de novos serviços para os consumidores, além de facilitar a adesão de fontes renováveis de energia ao sistema de distribuição. No futuro, o consumidor poderá escolher de que fonte quer consumir sua energia (hidrelétrica, solar, eólica etc). E se ele próprio gerar energia em casa, poderá vender seu excedente para a rede. Para construir essas novas redes elétricas serão necessários enormes investimentos em telecomunicações e TI pelas utilities. Além disso, a própria rede a ser construída coloca as empresas de energia em condições melhores de oferecer serviços convergentes, incluindo os de telecomunicações.


Nos EUA, a evolução para smart grids é uma das prioridades do plano de recuperação econômica proposto pelo presidente Barack Obama. No Brasil, entidades do setor elétrico preparam uma proposta a ser apresentada ao governo federal para o desenvolvimento de um programa brasileiro de redes elétricas inteligentes.




O sistema elétrico no Brasil, e na maior parte do mundo, é antigo e defasado. Apenas 7,4% dos 63 milhões de medidores do País são eletrônicos. O resto ainda é eletromecânico, o que requer leitura presencial e é mais suscetível a fraudes. “Se Thomas Edison visse as redes elétricas de hoje em dia reconheceria todos os seus componentes. Não acredito que aconteceria o mesmo com Marconi se ele visse as redes de telecomunicações atuais. O sistema elétrico não evoluiu com a mesma velocidade que o de telecomunicações”, compara Dymitr Wajsman, diretor da Associação de Empresas Proprietárias de Infraestrutura e de Sistemas Privados de Telecomunicações (Aptel).



Não faltam razões para incentivar as empresas de energia a digitalizarem suas redes. A primeira delas, pelo menos no Brasil, é o combate às fraudes, ou às “perdas não técnicas”, eufemismo usado por fontes do setor. O vice-chairman do Utilities Telecom Council (UTC, associação norte-americana que defende os interesses das empresas de energia no setor de telecomunicações), Troy West, lista outros motivos: o envelhecimento da infraestrutura, a dificuldade em repor técni¬cos experientes que se aposentam e a necessidade de diversificar as fontes de energia ligadas à rede.



A migração para smart grids, contudo, não será feita da noite para o dia, pois requer investimentos pesados não apenas na compra e instalação de equipamentos, mas também em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, será preciso realizar adequações regulatórias para permitir uma série de novos serviços, como flexibilidade tarifária de acordo com a fonte de energia e o surgimento do modelo pré-pago de eletricidade. Tudo isso faz com que as projeções mais otimistas para uma migração completa ao smart grid no Brasil sejam de dez anos. Ou seja: é um projeto de longo prazo, mas que está na ordem do dia das empresas elétricas. “As redes de energia mudarão nos próximos 20 anos o que não mudaram nos últimos cem”, prevê Gadner Vieira, executivo da área de soluções para utilities da IBM.



Praticamente todos os grandes fornecedores de infraestrutura estão de olho no mercado que será aberto com essa migração. Em setembro, durante um evento da Aptel sobre o tema, lá estavam Alcatel-Lucent, Ericsson, IBM, Logica, Motorola e Siemens, todas ávidas por conquistar clientes no setor elétrico. Algumas apresentaram cases no exterior como credencial: a Ericsson, por exemplo, firmou contrato de dez anos com a distribuidora italiana Acea para desenho de sua rede de telecomunicações. Ninguém se arrisca a prever quanto as elétricas terão que investir em telecomunicações, mas todos dizem que será um volume expressivo. Especialistas lembram que a maioria das redes de telecomunicações dessas empresas no Brasil hoje estão defasadas, utilizando ainda protocolos proprietários, pouca banda e falta de gerenciamento unificado.



Medição inteligente Na opinião de especialistas, o primeiro passo na evolução para smart grids consiste em mudar os medidores, adotando aparelhos não apenas eletrônicos, mas inteligentes. Isso significa ter um medidor com comunicação bidirecional, que permita o tráfego de informações entre a distribuidora e o consumidor. Já existem modelos com display, onde o cliente pode consultar a tarifa de energia e, assim, planejar melhor o seu consumo, aproveitando horários em que o preço é mais barato. “No futuro o medidor será um aparelho bonito. Ele não ficará mais escondido debaixo da escada. Vai ser posto na sala da casa”, brinca o presidente da Aptel, Pedro Jatobá.



É justamente na comunicação com os medidores que as elétricas terão que investir mais em redes de telecomunicações. Hoje, a maioria tem cabos de fibra óptica acompanhando suas linhas de transmissão, mas poucas têm redes para a chamada “última milha”, ou seja, a casa do cliente. Há várias opções tecnológicas para essa função, desde as redes celulares, até o próprio powerline communications (PLC), ou mesmo WiMesh e WiFi. No caso de clientes industriais de alto consumo, o investimento em fibra óptica pode ser justificado. “Não existe uma tecnologia de telecomunicação preferencial”, garante Wajsman, da Aptel. Para cada rede, localidade ou tipo de cliente, a escolha pode ser diferente. Na prática, o que acontecerá é que as elétricas terão também uma rede de acesso de telecomunicações. Ou precisarão contratar uma, o que faz com que empresas de banda larga e telefonia observem atentamente a movimentação das utilities nos próximos anos. Para não falar nos grandes fornecedores de infraestrutura e TI, que atuam tanto no setor elétrico quanto no de telecom.



Várias distribuidoras brasileiras de energia já utilizam medidores eletrônicos em pequena escala. Geralmente eles são instalados em comunidades carentes, onde o índice de fraude é alto, ou junto a clientes industriais, onde o consumo é grande. A Light, distribuidora que atua em 31 municípios do Rio de Janeiro, é uma das que mais sofre com fraudes: a empresa calcula que 4702 GWh foram furtados de sua rede em 2008, o que significa um ano inteiro de consumo de energia no Espírito Santo, por exemplo. Para combater o problema, a Light instalou 42 mil medidores eletrônicos em áreas carentes onde havia maior incidência de fraude. O resultado foi imediato: as perdas não técnicas, que representavam 58% da energia distribuída nessas comunidades, caíram para 18%. Em áreas nobres, onde também havia furto, foram postos 36 mil medidores inteligentes, o que diminuiu de 23% para 9% as perdas não técnicas.



O Grupo Rede, que administra a Celpa no Pará, conseguiu recuperar 10% da sua receita que até então era perdida com fraudes em comunidades carentes após instalar 96 mil medidores eletrônicos. “A pobreza leva à clandestinidade e ao roubo de energia com fraude em medidores. Isso impacta na tarifa de todos. E quando não se paga conta, acontece desperdício. Vimos casos de geladeiras sendo usadas para refrigerar ambientes”, descreve Alan Kardec, executivo do grupo Rede.



A Aneel pretende publicar uma regulamentação para definir requisitos básicos dos medidores eletrônicos em baixa tensão e estipular diretrizes para a substituição dos medidores eletromecânicos no Brasil. A intenção é dar preferência para medidores que usem padrões abertos e interoperáveis, explicou Paulo Henrique Silvestri, superintendente da agência. No exterior, alguns órgãos reguladores exigiram a instalação de medidores eletrô¬nicos e determinaram prazos para o cumprimento. A questão é se as elétricas podem ou não repassar o custo para as contas de luz. Nos EUA, a CenterPoint foi autorizada a aumentar em US$ 3 cada fatura de eletricidade para bancar os medidores eletrônicos. Na Espanha, a Iberdrola teve que fazer o investimento sem elevar em um centavo sequer as tarifas.



Depois dos medidores inteligentes, o segundo passo na construção de uma smart grid é dotar todos os com¬ponentes da rede elétrica de sensores de monitoramento. Isso tornará possível controlar com mais eficiência a rede, além de prevenir panes de equipamentos. Com isso, várias tarefas se tornarão automatizadas. A disponibilidade da rede aumentará e o Opex será reduzido. A intenção é chegar a um ponto em que a rede consiga se auto-diagnosticar e se auto-consertar. É o que especialistas chamam de “self-heling grid”. Mais uma vez as redes de telecomunicações serão essenciais, pois os sensores precisarão se comunicar entre si e com os centros de controle das elétricas. A etapa final de uma smart grid consiste em mudar a topologia da rede elétrica, hoje muito centralizada em poucas fontes de geração. Em uma smart grid haverá a descentralização dessa topologia, agregando fontes de energia renováveis espalhadas por diversos pontos da rede e podendo vir até das residências dos consumidores. É o conceito de “geração distribuída”. Como algumas dessas fontes são interruptivas, ou seja, não fornecem energia constantemente, é necessário que a rede seja realmente inteligente para lidar com a oscilação da geração.



Há também uma questão relacionada aos carros elétricos, que tendem a se tornar mais populares no futuro. A expectativa de especialistas é de que cada carro elétrico seja tratado como um cliente em separado, com uma conta própria de eletricidade. Ou seja: quando o motorista plugar seu carro em uma tomada, a energia consumida será faturada na conta do automóvel, não na conta do local onde está a tomada. Cada carro terá portanto um medidor individualizado. E as empresas de distribuição terão que se organizar para permitir o “roaming elétrico”, afinal, os carros serão clientes móveis. Programa brasileiro Os governos de diversos países estão se movimentando para modernizar suas redes de energia. Nos EUA, smart grid é uma prioridade. O governo federal norte-americano irá financiar boa parte dos investimentos do setor elétrico na migração para redes inteligentes. Dezenas de bilhões de dólares estão sendo investidos em pesquisa e desenvolvimento nessa área e o governo prometeu emprestar até US$ 4,5 bilhões para projetos de diversos portes.



No Brasil, a Aptel, em parceria com a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), está elaborando uma proposta a ser entregue ao governo para a implementação de um programa brasileiro de redes elétricas inteligentes. Inspirado no programa de TV digital brasileiro, a ideia é convencer o governo federal da necessidade de se investir em pesquisa para a criação de um padrão nacional de smart grid, que depois poderia ser exportado para países vizinhos. Vale lembrar que o Brasil representa cerca de metade do mercado de energia da América Latina. Com a ajuda de consultores externos, Aptel e Abradee farão um relatório no qual descreverão possíveis cenários para a migração tecnológica, mapearão as instituições de pesquisa e identificarão gargalos. O documento deve ficar pronto até fevereiro, quando será entregue ao governo. A Aneel, por sua vez, deve ajudar a sensibilizar o Ministério das Minas e Energia sobre os benefícios para a sociedade da modernização das redes elétricas. O setor elétrico espera que o governo defina uma política pública para a migração para smart grids e crie linhas de financiamento especiais.



Como a demanda por serviços de telecomunicações será grande, as empresas elétricas sonham com a possibilidade de ter uma frequência de espectro exclusiva para smart grids. O pleito acontece também em outros países. Um precedente foi aberto pelo governo do Canadá, que cedeu um pedaço em 1,8 GHz para o setor elétrico. Nos EUA, espectro exclusivo para smart grid é uma das bandeiras das utilities. “Não acredito que possamos montar smart grids com as redes celulares comerciais”, disse West, do UTC. No Brasil, as empresas elétricas solicitaram quatro pares de 12,5 MHz na faixa de 450 MHz, aproveitando a consulta pública sobre o tema. E estudam a possibilidade de pedir um bloco em 2,5 GHz.



Quebra de paradigma Para convencer o governo da necessidade de implementação de uma política pública de fomento às redes inteligentes, o setor elétrico terá que justificar o pedido apresentando os benefícios que serão gerados para a sociedade. Porém, antes disso, talvez seja preciso fazer um trabalho de convencimento das próprias empresas do setor elétrico, porque a migração para uma smart grid acarretará em uma significativa mudança de paradigma na relação entre essas companhias e os consumidores. Estes terão mais poder sobre seu próprio consumo de eletricidade. Poderão escolher de que fonte querem consumir e poderão, eles próprios, gerar energia para o sistema. Se hoje as elétricas dão as cartas desse jogo sozinhas, no futuro terão que compartilhar o poder com seus próprios clientes. Além disso, as distribuidoras deixarão de ser meras “fornecedoras” de energia, para se tornarem “prestadoras de serviço” de energia, diz José Roberto da Silva, executivo da Lógica. “Hoje, a conta de luz é sem gosto, sem cor. Era assim na telefonia antigamente: vendia-se apenas o pulso. Com o smart grid, a relação com o consumidor será bem mais complexa”, compara Jatobá, da Aptel. E para mediar essa relação e estreitar a comunicação entre as duas partes será necessário muito investimento em infraestrutra de telecomunicações.



PLC para inglês ver?



Uma solução para trafegar boa parte dos dados em uma smart grid pode estar dentro da própria infraestrutura de distribuição de energia: trata-se da tecnologia Powerline Communications (PLC). Ela consiste em transportar dados pela corrente elétrica, instalando-se equipamentos especiais nos transformadores e nas subestações. No Brasil, diversas distribuidoras testaram com sucesso a tecnologia nos últimos anos e algumas já a aplicam efetivamente em seu dia a dia.



Independentemente do uso para comunicação interna da rede elétrica, as distribuidoras há muito tempo sonham com a possibilidade de usar o PLC para a oferta do serviço de banda larga aos consumidores. O tema ganha importância sabendo-se que a rede elétrica chega a 99% das residências brasileiras, percentual bem mais alto que as redes de telecomunicações fixas e móveis. Este ano, Anatel e Aneel publicaram regulamentos para viabilizar a oferta de banda larga através do PLC. Como a legislação brasileira proíbe as distribuidoras de venderem outros serviços que não a eletricidade pura e simples, aquelas que quiserem oferecer acesso à internet via PLC terão que alugar as próprias redes a terceiros, mediante licitação em que vence o maior preço. Várias holdings que controlam distribuidoras de energia têm subsidiárias voltadas para o setor de telecomunicações, como Copel Telecom, Eletropaulo Telecom e Infovias. O sonho das elétricas é de que essas empresas irmãs controlem a oferta de banda larga via PLC, mas agora têm medo de perderem as licitações para operadoras de telefonia tradicionais. Algumas fontes do setor elétrico criticaram a regulamentação levantando o risco de que as teles poderiam participar das licitações para ganhar e depois não lançar o serviço. A diretora da Aneel Joísa Campanher não acredita nesse risco: “O Brasil tem leis contra essas práticas anticompetitivas”.



Neste momento, todas as distribuidoras de energia do Brasil estão avaliando se abrem ou não licitações para aluguel de suas redes para PLC. É esperado que os primeiros lançamentos comerciais de banda larga através das redes elétricas aconteçam em 2010.



Colaborou Helton Posseti



Fernando Paiva

 
Fonte:    http://www.teletime.com.br/Revista.aspx?ID=156158

Um comentário:

  1. CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA ELÉTRICA ENRIQUECEM ILICITAMENTE ÀS CUSTAS DOS CONSUMIDORES


    Como as concessionárias de energia elétrica confessaram na mídia o "engano" no cálculo das tarifas, ou seja, que estão cobrando indevidamente à mais do consumidor brasileiro, e, agora respaldadas pela “ANEEL”, dizem que não ressarcirão ninguém, a SOS DIREITOS HUMANOS protocolou no dia 04 de novembro de 2009, no Fórum Clóvis Beviláquoa, em Fortaleza, Ceará, a primeira Ação Civil Coletiva no Brasil requerendo a repetição EM DOBRO do indébito, bem como, que a COELCE seja obrigada a corrigir o erro e, aplicar nas contas vincendas de energia elétrica, os índices corretos, sob pena de pagamento diário de multa no valor de R$100.00,00. O consumidor que quiser habilitar na ação deverá entrar em contato com a SOS DIREITOS HUMANOS pelo email: sosdireitoshumanos@ig.com.br ou pelo celular: (85) 8719.8794.


    Dr. Otoniel Ajala Dourado
    OAB/CE 9288
    Presidente da SOS DIREITOS HUMANOS
    www.sosdireitoshumanos.org.br

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