Jornais e revistas se mobilizam

As redações de jornais e revistas passaram por uma grande transformação nos últimos 15 anos por causa da Internet. Não bastasse a necessidade de readaptação dos profissionais, houve um choque de modelos de negócios que até hoje não está bem resolvido: acostumados a cobrar pelas edições em papel, os veículos passaram a ver os conteúdos distribuídos de graça na rede.

Ao mesmo tempo em que luta para rentabilizar seus websites, a mídia impressa sofre com a dificuldade de renovar sua base de assinantes, estagnada diante da preferência da nova geração por ler notícias online. A salvação pode estar nos dispositivos móveis: celulares, smartphones e, sobretudo, a nova geração de tablets. Depois de experimentar canais por SMS, jornais e revistas descobriram o potencial de aplicativos móveis segmentados, fazem experiências com MMS e agora apostam nos tablets para conquistar leitores da nova geração. As operadoras móveis, se não forem ágeis e criativas na proposição de parcerias, correm o risco de ser meras coadjuvantes nesse negócio.
A incursão de jornais e revistas em mobilidade não começou agora. Desde o aparecimento do WAP no Brasil, dez anos atrás, houve tentativas de emplacar sites móveis de notícias, mas estes esbarraram na lentidão da rede e em modelos de tarifação equivocados, como a cobrança por tempo de conexão. As primeiras experiências bem sucedidas – e que perduram até hoje – são os canais de notícias via SMS. Usando os próprios veículos impressos para divulgar o produto, jornais e revistas conquistaram milhões de assinantes dispostos a pagar entre R$ 0,10 e R$ 0,31 por mensagem recebida. Um mesmo veículo costuma ter diversos canais, cada um dedicado a um tema específico (esportes, economia, política etc). A venda de conteúdo noticioso via SMS é hoje a principal fonte de receita em mobilidade para a maioria dos veículos impressos. No jornal esportivo Lance, por exemplo, o SMS representa 80% da receita móvel.
O uso do SMS para recebimento de notícias, contudo, está se concentrando cada vez mais em usuários pré-pagos das classes C e D. Trata-se, logicamente, de um reflexo da crescente penetração de smartphones nas camadas mais abastadas da população. Em jornais cujo público alvo é a classe média, como O Estado de S. Paulo, já é notada uma queda no número de assinantes de canais SMS. O jornal chegou a ter 50 mil usuários do serviço. Agora são apenas 15 mil. Nos Diários Associados, os veículos voltados para classe média baixa, como o Aqui, têm muito mais assinantes SMS do que os impressos Correio Braziliense ou Estado de Minas, cujo leitor médio tem renda maior.
Embora ainda haja uma enorme base de usuários pré-pagos com celulares de baixa gama que poderiam ser potenciais consumidores de notícias via SMS, a expectativa é de que, no longo prazo, essa ferramenta perca força, mas sem desaparecer completamente. “O SMS continuará sendo usado, mas para o envio de breaking news”, prevê o diretor de plataformas digitais do grupo Estado, Nicholas Serrano. “Em um aplicativo móvel de um jornal eu preciso entrar e procurar a notícia. Se quero algo específico e relevante, o SMS ainda é a melhor maneira”, defende Federico Pisani, presidente da Hanzo, primeira integradora brasileira a se especializar como agregadora de mídias.
Na tentativa de adiar ao máximo o declínio do SMS como veículo de notícias, alguns jornais e integradores usam a criatividade para valorizar essa ferramenta. “O maior desafio do SMS hoje é manter os assinantes. Não faz mais sentido enviar apenas notícias e alertas de gol. Temos que estimular outras interatividades, criando canais para votações, quiz, gincanas, bolões”, sugere Paulo Henrique Ferreira, gerente executivo de mídias digitais do Lance, que tem hoje cerca de 100 mil assinantes via SMS. Por sua vez, a Hanzo, lançou no fim do ano passado o serviço de Extended SMS. Trata-se da inclusão de links curtos nas mensagens de texto para levar o usuário a conteúdos multimídia ou sites móveis. Ou seja: é uma forma de modernizar a notícia por SMS, mantendo-a atraente mesmo para usuários com smartphones.
A evolução natural das notícias por SMS seria o uso de mensagens multimídia (MMS). Essa ferramenta, contudo, ainda é subutilizada no Brasil. A Editora Abril tem aproveitado a força de suas marcas para difundir esse meio. No ano passado, lançou um serviço de notícias por MMS em parceria com a Vivo e com a TIM. À disposição dos usuários estão sete canais e outros quatro serão lançados em breve. Por meio de uma assinatura mensal, o leitor recebe diariamente via MMS uma ou duas notícias com fotos. A receita é dividida entre Abril, operadoras e eventuais integradores, tal como é feito nos canais SMS.
Enquanto o SMS dá sinais de enfraquecimento e o MMS chega um tanto atrasado, outra ferramenta para distribuição de notícias via celular ganha cada vez mais popularidade: os sites móveis. O acesso cresce conforme aumenta a penetração de smartphones no Brasil, que já representam cerca de 30% da base nacional de celulares. Para se ter uma ideia, de janeiro a dezembro de 2010 o site móvel do Lance passou de 1,8 milhão de page views/mês para 3 milhões. Na Abril, a audiência dos sites móveis aumentou 300% no mesmo período, relata Sandra Jimenez, CMO (chief mobile officer) do grupo. Os sites móveis são, geralmente, meras adaptações dos websites tradicionais. As notícias são as mesmas, mas rediagramadas automaticamente pelos sistemas de publicação dos veículos. O modelo de negócios que se firmou nos sites móveis também é o mesmo da Internet: acesso gratuito bancado por publicidade, através da venda de banners. A receita do Lance com publicidade em seu site móvel cresceu 100% nos últimos 12 meses.
A era dos apps
A grande aposta de jornais e revistas em mobilidade reside na oferta de aplicativos móveis. No ano passado, houve um verdadeiro boom de aplicativos de veículos de mídia brasileiros, especialmente para iPhone e, em menor grau, para Android. “Os grupos de mídia perceberam que os apps não eram apenas uma moda. E que não existe só o iPhone”, comenta Gustavo Ziller, diretor da Aorta, desenvolvedora brasileira de aplicativos móveis que tem em sua carteira de clientes diversos jornais e revistas.
Para diferenciar o conteúdo de seus aplicativos daquele oferecido no site móvel, muitos veículos optaram por criar aplicativos segmentados por assunto, tal como é feito com os canais de SMS. O Globo e o Estadão, por exemplo, lançaram em 2010 produtos dedicados às eleições presidenciais. Este ano, O Globo acaba de lançar um aplicativo móvel do Campeonato Carioca e prepara outro para o seu guia cultural, o Rio Show. O Estadão seguirá estratégia similar com seu caderno de gastronomia Paladar e seu guia de fim de semana, o Divirta-se. E o Lance, que em 2010 teve sua primeira experiência com um aplicativo da Copa do Mundo, promete desenvolver este ano versões para os diversos campeonatos sazonais de futebol. A segmentação facilita a venda de cotas de patrocínios, o que garante a oferta gratuita da maioria desses aplicativos. A segmentação excessiva do conteúdo de um único jornal em aplicativos, todavia, é vista com ressalvas por alguns: “Isso divide a audiência, tornando o produto menos atrativo para os anunciantes”, critica uma fonte.
Há também aplicativos pagos. É o caso do Comer e Beber, da Veja. “90% dos nossos aplicativos são patrocinados. Mas quando há produção extra de conteúdo, com fotos que requerem pagamento de direitos, o usuário enxerga valor e aceita pagar. É preciso analisar caso a caso para definir o melhor modelo”, explica Sandra Jimenez, da Abril.
A longo prazo, o mais provável é que se adote um modelo híbrido, com parte do conteúdo grátis, bancado por publicidade, e parte restrito, mediante pagamento. É o que Ziller, da Aorta, chama de modelo freemium: meio gratuito, meio premium.
Tablets
A menina dos olhos da mídia impressa no momento são os tablets, por uma razão simples: a atração de novos leitores e a facilidade de leitura e interação. “Estamos apostan- do muito em tablets porque são o melhor dispositivo para trazer os jovens de volta à leitura do jornal”, afirma Luiz Mendes Jr., gerente de negó- cios convergentes dos Diários Associados. Não é à toa que todos os grandes jornais e revistas do Brasil e do mundo correram para criar aplicati- vos para o iPad, da Apple, no ano passado. As revistas foram mais ousadas: as estrangeiras Wired e New Yorker criaram diagra- mações especiais para o formato dos tablets e incluíram conteúdos multimí- dia exclusivos, como vídeos, áudios e fotos extras. As brasileiras Veja, Época e Fut! seguiram o mesmo caminho. Por isso, as duas primeiras não tiveram vergonha de cobrar pela venda da ver- são digital para tablet: o preço básico é US$ 4,99 por edição, seguindo o padrão internacional. Os jornais optaram, ao menos provisoriamente, por aplicativos mais simples, em que mesclam o download da ínte- gra da versão impressa em PDF e o acesso ao conteúdo de seus websi- tes: tudo de graça. “As revistas estão mais adiantadas porque têm mais tempo para cada edição. Além disso, o tamanho de uma revista é quase o mesmo do iPad. O jornal é maior e é diário”, justifica Serrano, do grupo Estado. Mas os jornais não querem ficar para trás. Correio Braziliense e Estado de Minas, ambos dos Diários Associados, largaram na frente e incluíram conte- údo multimídia extra em suas versões para iPad. “O jornal fica mais bonito na tela de um tablet. O Estado de Minas ainda é impresso em preto e branco. No iPad as pági- nas são coloridas. É como se o jornal passasse pelo (cirurgião plástico) Pitangui”, brinca Mendes Jr., dos Diários Associados. O Estadão promete para o primeiro trimestre uma versão multi- mídia feita especialmente para tablets. A cobrança pelo download dos jornais brasileiros no iPad é também uma questão de tempo. Operadoras ficam para trás As operadoras celulares, por outro lado, ainda estão tendo dificuldade para inovar em seus modelos comerciais de parcerias com provedores de conteúdo de forma a acompanhar os avanços tec- nológicos que surgem em seu próprio setor. Se no SMS e no MMS as teles são parceiras imprescindíveis e, por isso mesmo, retêm boa parte da receita com a venda do conteúdo, em sites e aplicativos móveis o cenário é outro. Agora, os provedores de conteúdo decidem o que, quando e como lançar. No caso dos aplicativos, dividem a receita com os gestores da loja, geralmente fabricantes de celulares ou de sistemas operacionais, mas recebem uma participação bem maior que aquela praticada nos acordos com as teles. “Somos menos dependentes das opera- doras hoje do que éramos antes, quando elas tinham a última palavra”, resume Serrano, do grupo Estado. Isso não significa que jornais e revistas não desejem firmar acordos com as compa- nhias telefônicas. “Exploramos menos do que gostaríamos as parcerias com operadoras. Poderíamos desenvolver produtos em conjunto e embarcá-los nos celulares”, propõe Serrano. Mendes Jr., dos Diários Associados, se queixa da divisão da receita praticada no SMS: “Quem produz e divulga o conteúdo somos nós. Se tivéssemos participação maior na receita, faríamos mais par- cerias com operadoras”. As teles não querem ficar de fora da venda de conteúdo, mas suas equipes nas gerências de serviços de valor adicionado (SVA) costumam ser pequenas para avaliar tantos pedidos. Na prática, a prioridade acaba sendo dos grandes grupos, a exemplo da Abril, com os recentes lançamen- tos de serviços por MMS com Vivo e TIM. Esta últi- ma, por sinal, sabe que não pode ficar parada diante da evolução tecnológica na distribuição de conteúdo e criou sua própria loja de aplicativos, a TIM App Store, lançada ano passa- do. A longo prazo, se não forem mais criativas e ágeis, as teles perderão completamente esse filão. Em uma analogia à mídia impressa, terão a função de meros entregadores de jor- nal. Com sorte, receberão uma caixinha de Natal no fim do ano.
A redação móvel
É urgente a necessidade de treinar repórteres, editores e diagramadores para trabalhar com mídias móveis. Trata-se de um meio que, embora digital como a Internet, tem peculiaridades que devem ser observadas. Nos SMS, por exemplo, as notícias precisam ser curtas. Alguns veículos adotaram o uso de abreviações, como “pq” no lugar de “porque”. Para que não haja erros de formatação em certos handsets, é melhor não usar acentos, nem cedilha. “Há jornalistas que se recusam a escrever desse jeito”, relata Federico Pisani, presidente da Hanzo. Por isso, sua empresa criou um módulo que “descorrige” automaticamente os textos enviados.
No grupo Abril e no Lance foram montadas equipes dedicadas a conteúdo móvel. Eles escolhem as notícias que serão enviadas por SMS e MMS e redigem os textos. Também participam das reuniões de pauta para sugerir conteúdos extras para tablets. Nos Diários Associados, o conteúdo móvel é feito pelo pessoal de Internet.
Os sites e aplicativos móveis têm seu conteúdo extraído automaticamente dos websites dos veículos, mas é importante que alguém monitore se a diagramação e hierarquização das matérias estão adequadas. No caso de edições para tablets, é recomendado que haja diagramadores e designers dedicados a essa mídia. É o que fez o jornal O Estado de São Paulo.
O importante, recomenda Sandra Jimenez, CMO da Abril, é que haja integração entre as redações do impresso, da Internet e dos dispositivos móveis. Ou seja, uma via de mão tripla.

Fernando Paiva

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