A Internet é móvel. Esta foi a certeza de quem circulou pela edição deste ano do Mobile World Congress (MWC), em Barcelona. Se alguns anos atrás os fabricantes de infraestrutura e de terminais móveis reinavam absolutos nesse evento, agora eles precisam dividir espaço com grandes empresas da Internet. A integração entre os dois mundos está cada vez mais profunda e indissociável. Este ano ficou clara a força de redes sociais como Facebook e Twitter no mundo móvel, noivas que todas cortejam. Enquanto isso, as operadoras jogam suas fichas em cloud computing, HTML5 e no lançamento comercial da WAC (Wholesale Applications Community), sua plataforma para lojas white label de aplicativos online, na luta para não virarem meros canos para tráfego de dados. Entre os patronos de sistemas operacionais móveis, a atenção se volta para o fortalecimento de seus ecossistemas de desenvolvedores, em uma guerra que teve um novo capítulo poucos dias antes da feira: a adoção do Windows Phone 7 pela Nokia. Do ponto de vista de terminais, o evento foi marcado pela profusão de tablets e pela chegada da tecnologia dual-core aos dispositivos móveis. Tudo pensado em um cenário de conectividade plena.
Em telecomunicações, olhar o mercado japonês é como olhar para o futuro. Lá tudo acontece anos à frente do resto do mundo. E a mensagem para o ocidente trazida pelos executivos de duas das principais operadoras locais, a NTT DoCoMo e a Softbank, foi direta: invistam em Internet móvel. Nos últimos cinco anos, os ganhos da Softbank (Ebit) aumentaram cinco vezes. A explicação está no crescimento do consumo de dados móveis por seus usuários, o que representa atualmente 54% da receita da operadora, sem contar SMS, o que faz da Softbank a número um nesse aspecto no mundo. “Somos uma das poucas operadoras que conseguiu crescer sua receita média por usuário total nos últimos cinco anos”, afirmou o CEO da companhia, Masayoshi Son. Enquanto a receita de voz cai ano após ano, essa perda é compensada pelo bom desempenho dos serviços de dados. De 2002 até 2010 o tráfego de dados em sua rede elevou-se em 1,2 mil vezes. Hoje, 100% da base da Softbank é 3G, enquanto a média mundial é 22%. A NTT DoCoMo segue o mesmo caminho: a previsão é de que a receita média de dados supere a de voz em março deste ano, disse seu CEO, Ryuji Yamada. Nos últimos três anos, a receita média por usuário de voz da operadora caiu de quase 5 mil ienes para cerca de 3 mil ienes. Nesse período, a receita média por usuário de dados vem mantendo uma curva de crescimento pequena, porém constante.
O termo cloud computing, tão usado entre empresas de TI, entrou definitivamente no dicionário das operadoras móveis. Para o CTO da AT&T, John Donovan, os terminais perderão importância no futuro, com a transferência de boa parte da inteligência e do processamento dos aplicativos para dentro da nuvem da Internet. Isso representa uma oportunidade para as operadoras retomarem o controle sobre a experiência do usuário, desde que sejam elas a armazenar e oferecer tais serviços na nuvem. Esse contra-ataque começa agora, com o incentivo ao HTML5, uma nova linguagem para desenvolvimento de sites que consegue criar aplicativos móveis que rodam através dos navegadores, independentemente do sistema operacional do aparelho. O HTML5 está no roadmap da WAC, plataforma global desenvolvida por operadoras móveis para criação de suas próprias lojas de aplicativos virtuais. As especificações da WAC 2.0, divulgadas durante o MWC, incluem e reforçam o suporte ao HTML5. O caminho natural é que as teles incentivem aplicativos móveis em nuvem, mas cuja venda utilize seus sistemas de cobrança. Em Barcelona foi anunciada a entrada em operação da WAC, ainda na versão 1.0. A norueguesa Telenor foi a primeira a pôr no ar uma loja de aplicativo integrada à plataforma global e a Telefónica anunciou que fará o mesmo até agosto, quando lançará um serviço de entrega de conteúdo multiplataforma nomeado provisoriamente de Frigo, com back-up de informações nuvem. Brasil, Argentina, Alemanha, Irlanda, México, Espanha e Reino Unido serão os primeiros países a ter o Frigo. A América Móvil, por sua vez, pretende lançar uma loja de aplicativos ligada à WAC também este ano.
Na opinião de Ilja Laurs, fundador e CEO da GetJar, o HTML5 é uma ameaça para as atuais lojas de aplicativos baseadas em sistemas operacionais nativos, como a Android Market e a Apple App Store. O caminho em direção aos serviços em nuvem parece sem volta: o iOS 4.3, da Apple, e o Android 2.3 (Gingerbread), do Google, são compatíveis com HTML5, assim como o Internet Explorer 9, que estará presente na primeira atualização do Windows Phone 7, que acontecerá em março.
Ecossistemas
Enquanto todo o potencial do cloud computing dá os primeiros passos no mundo móvel, os patronos dos sistemas operacionais continuam guerreando entre si. O mais novo capítulo nessa batalha aconteceu às vésperas do MWC e foi assunto durante toda a feira: a decisão da Nokia de abandonar o desenvolvimento do Symbian e adotar o Windows Phone 7 como sua principal plataforma para smartphones. Nas palavras do CEO da Nokia, Stephen Elop, a briga agora é por “ecossistemas”. E ele enxerga três cavalos nessa corrida: Android (Google), iOS (Apple) e Windows Phone (Microsoft). Por “ecossistema” Elop entende o conjunto de desenvolvedores e provedores de conteúdo que criam aplicações para cada sistema operacional. Sem eles, uma plataforma não obtém sucesso. Conquistá-los não é tarefa fácil. A Apple precisou ser audaciosa quando lançou sua App Store, oferecendo 70% da receita para os desenvolvedores, em uma época em que as teles ocidentais pagavam, quando muito, 50% do líquido. E muitos desenvolvedores já se queixam que esse percentual é pequeno.
Cientes de sua importância, os desenvolvedores ganharam voz e a usaram em Barcelona para expor suas reivindicações. Mikael Hed, CEO da Rovio, empresa que criou o popular jogo Angry Birds, criticou a fragmentação do sistema e alguns problemas no billing do Google CheckOut, que não funciona direito em certos países e operadoras, limitando as vendas. “Mesmo o mais popular dos aplicativos vende apenas algumas poucas centenas de milhares no Android Market”, disse. Durante um seminário batizado de App Forum, que aconteceu dentro do MWC, outros desenvolvedores reclamaram dos percentuais pagos pelas operadoras. Neste caso, coube ao brasileiro Marco Quatorze, diretor de serviços de valor adicionado (SVA) da América Móvil, fazer a defesa das teles, ou pelo menos daquelas que atuam na América Latina, onde a maioria dos clientes são pré-pagos: a justificativa para a participação das operadoras ser maior que a dos desenvolvedores está nos custos para distribuição de cartões de recarga, o que inclui comissões para os revendedores. “Quando vendemos US$ 10 de crédito para um cliente pré-pago, isso não é US$ 10 para a gente. É menos”, explicou.
É nítida a tentativa do Google e da Microsoft de valorizar a evolução de suas plataformas móveis e seus respectivos ecossistemas. O estande do Android em Barcelona, por exemplo, chamava a atenção por ter trazido dezenas de desenvolvedores para expor suas aplicações, em uma clara demonstração de força. Em palestra como keynote speaker, o CEO da Google, Eric Schmidt, informou que o Android registra atualmente 300 mil novas ativações por dia, conta com 150 mil aplicativos em sua loja e está disponível em 170 modelos de dispositivos, em 169 operadoras e em 69 países. Schmidt aproveitou para alfinetar a Nokia, dizendo que as portas estão abertas para a empresa finlandesa no futuro. O Windows Phone 7, caçula nessa guerra, teve como porta-voz no MWC o presidente da Microsoft, Steve Ballmer. O executivo informou que a Marketplace, sua loja de aplicativos, alcançou 8 mil títulos apenas quatro meses após sua inauguração. Segundo Ballmer, foi o melhor desempenho de uma app store recém nascida até agora. Cerca de 30 mil desenvolvedores estão registrados na plataforma e houve um milhão de downloads de sua ferramenta de desenvolvimento. Como de hábito, a Apple não participou do MWC, preferindo apresentar suas novidades em eventos por ela mesma organizados. No lançamento do iPad2, Steve Jobs, CEO da companhia, ironizou os concorrentes lembrando que já existem 350 mil aplicativos na App Store, dos quais 65 mil para o iPad, 200 milhões de contas de usuários cadastradas e que já foram distribuídos mais de US$ 2 bilhões em royalties para os desenvolvedores desses aplicativos. É, de longe, o modelo mais bem sucedido até aqui de app store.
Redes sociais
Mesmo sem estandes oficiais no congresso, Facebook e Twitter estavam presentes por todo o lado. O primeiro apareceu através de anúncios de parcerias no mundo móvel: a HTC apresentou dois smartphones com um botão dedicado ao serviço; a Gemalto lançou um aplicativo de acesso à rede social através do menu do SIMcard; e a INQ Mobile prometeu iniciar em breve a comercialização de um smartphone desenhado para o Facebook. Por sua vez, o Twitter enviou a Barcelona executivos para participar de alguns dos seminários e trouxe como mensagem básica a sua intenção de se integrar cada vez mais com dispositivos móveis, sem que isso signifique necessariamente o lançamento de um “Twitter Phone”. Segundo seu CEO, Dick Costolo, cerca de 40% das mensagens enviadas no Twitter se originam de dispositivos móveis, e 15% dos usuários ativos do serviço o utilizam em mais de uma plataforma. Hoje o Twitter tem aproximadamente 175 milhões de usuários. O diretor de mobilidade do grupo, Kevin Thau, passou um recado para as operadoras: ele entende que o Twitter não concorre diretamente com o SMS, pelo contrário, até estimula o envio de mensagens. Ele lembrou que sua empresa tem mais de 200 acordos com teles para a integração do serviço com suas plataformas de SMS.
Redes sociais nascidas no mundo móvel também se fizeram ouvir no MWC. O Foursquare impressionou a plateia com a aceleração do seu crescimento: um milhão de novos usuários por mês. Atualmente, o serviço tem 6,5 milhões de pessoas cadastradas. O Foursquare aproveitou a feira para anunciar o lançamento de versões em outras línguas – aquela em português ficará para o segundo semestre, provavelmente. De acordo com o vice-presidente de mobilidade e parcerias da empresa, Holger Luedorf, o Brasil está entre os dez países onde o aplicativo é mais utilizado no mundo.
Futuro em nuvem
Como sempre, o Mobile World Congress é um evento onde os especialistas exercitam sua capacidade de prever o futuro. Uma tendência é o surgimento das “buscas autônomas”, como descreveu o CEO da Google, ou “buscas por antecipação”, como prefere o CTO da AT&T. Trata-se de apresentar informações na tela do celular antes mesmo de o usuário precisar solicitá-las, o que será possível a partir de inteligência artificial e análise do perfil de uso do cliente. “O aparelho saberá o que você quer antes mesmo de você pensar. Vai parecer mágica”, disse Donovan, da AT&T.
O executivo da tele norte-americana prevê o que chamou de “desintegração do terminal”. Apoiando-se na teoria de que a inteligência estará toda na nuvem Internet, os celulares serão meras carcaças. Em vez de orientados para o tipo de terminal, os serviços serão centralizados no usuário. Se o consumidor pegar emprestado o telefone de um amigo, por exemplo, este saberá exatamente quais são as suas preferências, sua agenda de contatos etc, porque essas informações estarão todas nos servidores das operadoras. Ou seja, o mundo móvel tirará os pés do chão e andará nas nuvens.
Tablets, chipsets dual-core e gravação em 3D
Foi marcante a presença dos tablets na edição deste ano do Mobile World Congress (MWC). Um ano atrás, não havia nenhum exemplar exposto na feira. Com o lançamento do iPad, da Apple, os demais fabricantes reagiram e conseguiram lançar em tempo recorde produtos similares. À exceção da Nokia, todos os grandes e médios fabricantes apostaram nesse novo segmento. Tecnologicamente, a novidade é que a maioria utiliza tecnologia dual-core, com dois processadores de aproximadamente 1 GHz cada. A maior capacidade de processamento permite uma série de novas aplicações. Em realidade aumentada, por exemplo, se torna possível o reconhecimento de objetos em três dimensões.
O próximo passo serão chipsets quad-core, hoje restritos a computadores de mesa. A Qualcomm trabalha para lançar em 2012 o Krait, o primeiro processador com quatro núcleos da família Snapdragon, específico para dispositivos móveis. Com apenas 28 nanômetros, o processador poderá alcançar até 2,5 GHz por núcleo. Cada núcleo pode trabalhar de maneira assíncrona, isto é, os quatro núcleos não precisam operar simultaneamente, o que melhora o consumo de bateria, a performance dos serviços e aplicativos e permite novas funcionalidades. O vice-presidente sênior e presidente para América Latina da Qualcomm, Flavio Mansi, explica que dispositivos com um processador quad-core poderão ter telas maiores, com maior resolução, sistemas operacionais mais complexos, múltiplos canais de áudio, jogos e vídeos em alta definição e ainda capacidade de capturar e reproduzir vídeos em 3D. Outra novidade no mundo dos chipsets foi a notícia de que os primeiros smartphones com processadores Intel chegarão ao mercado este ano. O nome do fabricante que fez a encomenda não foi revelado.
Entre os smartphones, dois lançamentos chamaram a atenção: o LG Optimus 3D e o Xperia Play, da Sony Ericsson. O Optimus é o primeiro a gravar vídeos em três dimensões (3D), por meio de duas câmeras de 5 megapixels cada, posicionadas na parte de trás do aparelho. O Xperia Play é um modelo inspirado no PlayStation, console de videogame de sucesso da Sony. Uma loja para a venda de games para esse terminal será lançada este ano.
Foi visível a predominância do Android entre os novos tablets e smartphones. Para os primeiros, está sendo usada a versão 3.0, conhecida como Honeycomb. Para os smartphones, a 2.3. A próxima versão, cujo lançamento acontecerá no segundo semestre, servirá para os dois tipos de dispositivos, informou Eric Schmidt, CEO da Google.
Algumas semanas depois do MWC, foi lançado o iPad 2 pela Apple, que já incorporou muitas tendências, como o processamento dual-core e deu ainda mais combustível ao produto, que em menos de um ano teve mais de 15 milhões de unidades comercializadas.
A única grande empresa que ainda patina nessa estratégia é a Nokia, e ela mesma reconheceu, inclusive em seu balanço de 2010, que a falta de uma estratégia definida para o mercado de tablets é um fator de risco a ser considerado pelos investidores, assim como a possibilidade de que a parceria com a Microsoft demore a dar resultados.
* Colaborou Letícia Cordeiro
Fernando Paiva, de Barcelona*
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