Luís Osvaldo Grossmann
::
Convergência Digital
:: 04/02/2011
Imagine
que as combinações possíveis para placas de veículos acabem. As
fábricas continuam a produzir novos carros, mas eles não podem trafegar
porque não possuem licenciamento – a não ser naqueles relacionados aos
poucos Detrans que se anteciparam e desenvolveram um novo sistema de
emplacamento. De certa forma, é esse o dilema da internet.
Os últimos lotes de placas – no caso, de endereços IP – foram
distribuídos na quinta-feira, 3/2, às entidades administradoras nos
cinco continentes. O fim desses endereços depende da velocidade com que
novos dispositivos – computadores, smartphones, tablets, etc – são
ligados à web. No Brasil, no ritmo atual, isso deve levar mais uns dois
anos.
Diferente do controle de veículos, no entanto, a internet não possui um
órgão central que obrigue todos os participantes a se adaptarem até um
dia determinado. As entidades administradoras orientam, incentivam,
treinam, alertam, mas não têm poderes maiores do que esses. É do caráter
da rede mundial ser simultaneamente caótica e colaborativa, o que
significa que usuários, provedores, governos e empresas em geral devem
agir.
“O Brasil, assim como o mundo inteiro, está atrasado em relação a esse
assunto. Cada empresa precisa ir estruturando sua rede, tem todo um
legado a substituir, mas são investimentos que acabam sendo adiados uma
vez que para a maioria não faz sentido trocar equipamentos que estão
funcionando”, avalia o diretor de projetos do NIC.br, Milton
Kashiwakura. Desde 2008, a entidade já treinou mais de 900 técnicos das
principais empresas do país para a mudança.
A internet é, basicamente, um sistema engenhoso de transferência de
dados entre diferentes computadores. Quando os americanos Vint Cerf e
Robert Kahn desenvolveram a base desse sistema de comunicação, o TCP/IP,
em 1977, os 4,3 bilhões de combinações possíveis com números de 32 bits
pareciam mais do que suficientes. Não imaginavam um mundo em que
qualquer geringonça eletrônica já nasça capaz de se conectar à rede.
Há pelo menos 15 anos, no entanto, se percebeu que essa versão de
endereçamento, chamada de IPv4, se esgotaria em algum momento. Pois o
momento chegou e o estoque de gambiarras que deram uma sobrevida a essa
versão acabou. “O Brasil está 99,9% centrado no IPv4 e a preparação para
o IPv6 terá, necessariamente, que acelerar este ano. Não é um monstro, a
internet não vai acabar, mas todos têm que se preocupar”, diz o
presidente da Abranet, associação reúne provedores de acesso, Eduardo
Parajo.
Equipamentos, como roteadores, e softwares de gerenciamento de redes
precisam se adaptar para a versão de 128 bits que possibilita mais de
340 “undecilhões” de endereços – para ser exato,
340.282.366.920.938.463.463.374.607.431.768.211.456 – que devem ser
suficientes para as próximas décadas, ou séculos, de crescimento da rede
mundial. Os computadores pessoais também, mas os sistemas operacionais
novos – seja Windows ou Linux – já vêm preparados para o IPv6.
No mundo e no Brasil já existem exemplos de antecipação. Desde 2008, a
Google tem um site de buscas exclusivamente em IPv6. Por aqui, a
Telefônica começou a testar a nova versão ainda em 2005 e promete estar
pronta ao longo dos próximos dois anos. No governo, a Secretaria de
Logística e TI do Ministério do Planejamento até tenta incluir a
preparação ao IPv6 em licitações de serviços, mas ainda encontra
resistência dos fornecedores. Talvez o exemplo público mais
significativo seja a Telebrás, cuja rede do Plano Nacional de Banda
Larga já vai nascer pronta para o novo protocolo.
A internet, como lembrou Parajo, da Abranet, não vai acabar sem o IPv6.
Na verdade, a nova versão deverá conviver com o IPv4 por um bom tempo.
Mas sem essa preparação, ela não terá como crescer – não será possível
criar novas páginas, por exemplo. Mesmo a convivência das duas versões
deverá apresentar algumas dificuldades, como sites lentos ou
inacessíveis. Mais do que simplesmente uma troca, a mudança exige
compatibilidade das duas versões de protocolo.
Os internautas do planeta terão uma ideia melhor do grau de preparação
depois de 8 de junho, data em que a Internet Society vai promover o “Dia
Mundial do IPv6”, na prática o primeiro teste em escala global do novo
protocolo. Durante 24 horas, os serviços serão oferecidos em IPv6 – a
Google, para manter o exemplo, usará a nova versão em sua página
principal e não somente no endereço específico de testes. Quem sabe os
resultados desse dia possam influenciar o ritmo de adaptação ao novo
sistema.
Ou talvez, como acredita o diretor do NIC.br, seja preciso seguir o
exemplo do Japão e adotar um sistema de incentivos à transição para o
IPv6. “O Japão dá um incentivo financeiro para as empresas que migrarem.
Aqui não temos nada disso, mas deveríamos adotar, pelo menos, um
sistema em que aqueles que pedirem os últimos pedaços do IPv4 tenham que
ter um planejamento para o IPv6”, defende Kashiwakura, antes de
completar: “Estão todos esperando algum empurrão.”
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